São Paulo, segunda-feira, 30 de agosto de 2004

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QUADRINHOS

Nova coletânea lançada pela Conrad reúne histórias políticas e críticas à sociedade dos EUA, de 70 a 90

HQs expõem América "feia" de Crumb

DIEGO ASSIS
DA REPORTAGEM LOCAL

"Glutona", "gananciosa" e "feia", com seus "capitalistas gordos", "radicais e seus slogans", "sofisticados urbanos", motocicletas e aviões. Foi essa América que Robert Crumb escolheu deixar para trás em 1991, quando se mudou com mulher e filha para um vilarejo no sul da França.
Todas as pragas rogadas por Crumb, um dos artistas underground mais notórios dos EUA, contra a sociedade americana, em histórias e tiras publicadas entre 1970 e 1997, estão coletadas no álbum "América", que a Conrad põe no mês que vem nas estantes, ao lado dos já lançados por aqui "Fritz The Cat", "Zap Comix" e "Mr. Natural".
Assumindo-se "um velho ranzinza e estraga-prazeres", Crumb espalha suas tintas ácidas e paranóicas para todos os lados: a música pop, as multinacionais, a poluição em Detroit, a expansão imobiliária no Harlem.
Entre as histórias, está a clássica "Whiteman", que retrata um americano típico do pós-guerra ("produto legítimo da Grande Depressão"), mas com os nervos sempre em frangalhos. Num documentário dirigido por Terry Zwigoff, Crumb afirma que Whiteman, na verdade, é o retrato de seu próprio pai: fora de casa, um cidadão americano exemplar; dentro, um homem conservador, violento e repressor.
As críticas aos tipos da sociedade dos EUA, de diferentes épocas, continuam nas séries "As Aventuras do Cabeça de Cebola", que retrata as desventuras de um caipira na cidade grande, e "Frosty, o Boneco de Neve e seus Amigos", publicada originalmente em forma de tira. "Frosty" é uma sátira às "missões secretas" da esquerda revolucionária dos anos 70. Aqui, um boneco de neve terrorista, junto com dois camaradas, prepara-se para jogar bombas, disfarçadas de bolas de neve, na mansão dos Rockerfella.
Do outro lado da "força", há também "Os Bombados Barra-Pesada Tomam Conta!", paródia das enormes distâncias que (então) separavam republicanos e democratas. Cansados da turma de "bonzinhos chorões" na Casa Branca, um grupo de veteranos de guerra dá um golpe militar e, claro, não consegue colocar muita ordem na casa.
Taxado de racista em diversas ocasiões, Crumb bota lenha na fogueira -e dá um passo para trás enquanto ri das acusações- com a dobradinha "Quando os Negões Dominarem a América!" e "Quando os Malditos Judeus Dominarem a América!". Os títulos são auto-explicativos.
Por fim, "América" reúne também algumas das amargas e freqüentes HQs em primeira pessoa desenhadas por Crumb, como a que relata uma cobertura que fez em 1977 de um simpósio sobre a conquista do espaço, sua tentativa frustrada de cobrir uma cerimônia do Oscar ou a divertida e mais recente "Aponte o Dedo", em que o quadrinista confronta, no papel, "o grosseiro e mercenário" empresário Donald Trump.
Como sugere Crumb, que completa 61 azedos anos hoje: "Ah, bem, leia e chore!"


AMÉRICA. Autor: Robert Crumb. Editora: Conrad. Preço: R$ 25 (104 págs.)


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