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Manguel retorna a livros e bibliotecas
Em "A Biblioteca à Noite", autor argentino-canadense reafirma o universo da leitura como tema principal de sua obra
Livro do ex-secretário de Borges começa com uma confissão: quando jovem, Alberto Manguel sonhava em ser bibliotecário
SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL
"Sim, eu falo sempre sobre o
mesmo assunto." Não é muito
comum, nos dias de hoje, entrevistar um artista que admita ser
monotemático. Mas é o caso de
Alberto Manguel, 56, escritor
argentino-canadense que começa seu livro mais recente, "A
Biblioteca à Noite", com uma
confissão: quando adolescente,
sonhava ser bibliotecário.
Não por acaso, o tal assunto
de que ele sempre trata em seus
escritos é, justamente, o mundo dos livros. Autor de "Uma
História da Leitura" e "Os Livros e os Dias" (ambos lançados
aqui pela Companhia das Letras), o autor agora desenvolve
uma reflexão que começou
dentro do seu quarto de trabalho, numa pequena colina ao
sul do rio Loire, na França.
Ali, num edifício construído
inicialmente para ser um celeiro, no século 15, Manguel montou sua biblioteca particular e a
ela passou a fazer dificílimas
perguntas -como por exemplo, para que, afinal, servem os
livros? Manguel, que está em
São Paulo hoje para lançar seu
livro, conversou com a Folha.
Leia os principais trechos.
FOLHA - Por que bibliotecas?
ALBERTO MANGUEL - Eu queria
responder à pergunta: de onde
vem nosso otimismo de pensar
que algo tão caótico como o
universo pode ter a ordem que
os livros pretendem lhe dar?
Nós acreditamos que os livros
contêm o que sabemos sobre o
mundo. Mas o que sabemos é
que ele não tem sentido e que a
ordem do universo é, para nós,
equivalente ao caos.
Então por que continuamos
a ler e a escrever livros?
FOLHA - Segundo sua explicação,
as bibliotecas funcionariam como
uma defesa inconsciente do homem
diante do caos do conhecimento.
MANGUEL - Sim e, além disso,
uma defesa contra o esquecimento. A biblioteca que nos parece organizada também é um
caos. É um caos no qual, às vezes, podemos suspeitar que
existe uma ordem.
FOLHA - Você diz que os escritores
são uma espécie de subespécie de
leitores. O leitor ocupa para você um
posto mais elevado na literatura?
MANGUEL - É claro! Um escritor
escreve seu livro e quer que ele
seja lido. Pensa que esse livro
tem um certo conteúdo, uma
certa importância, mas, no final, são os leitores que decidem
algo que esse escritor não pode
suspeitar. Essencialmente, é o
leitor quem decide o que é o livro, se esse livro vai sobreviver
e, ainda, se esse escritor vai sobreviver. Todo escritor quer ser
um clássico. Mas os leitores são
impiedosos e decidem que só
uma pequeníssima parte dos
que escrevem serão recordados. O poder do leitor é imenso.
FOLHA - Jorge Luiz Borges, de
quem você foi secretário particular,
tinha uma obsessão com a idéia de
como seria possível ordenar o conhecimento. Isso o influenciou?
MANGUEL - A forma de pensar
de Borges sobre esse tema é
muito antiga, mas ele foi quem
melhor o concretizou até hoje.
Esse tipo de pensamento que
permite uma grande liberdade
e uma grande generosidade aos
sistemas de pensamento é também muito antigo.
FOLHA - Você está acompanhando
a discussão entre o Google e as bibliotecas públicas européias com relação ao projeto de disponibilizar todos os seus títulos? O que acha?
MANGUEL - Antes de tudo é preciso lembrar que o Google não é
uma companhia filantrópica. E
que, portanto, visa um benefício comercial. E que esse benefício governa todas as decisões.
O que o Google propõe, colocar
uma infinidade de textos na internet, em princípio é muito
bom. Mas isso aponta para
muitos problemas. Em primeiro lugar: Quem vai colocar os
textos? Quem vai organizar, e
com que critérios?
Depois, os textos das obras
clássicas que temos hoje passaram por muitas revisões, são
textos mais ou menos consolidados. E, cada vez que se escaneia um manuscrito para colocar na rede, fatalmente se introduzem novos erros.
Existe, ainda, o problema que
se refere a obras mais recentes,
que é o dos direitos do autor. O
Google diz que nós, escritores,
devemos ser generosos e deixar
que todo mundo leia nossas
obras. Muito bem, no dia em
que o Google virar uma instituição de caridade, que ofereça
grátis a todo mundo todos os
seus benefícios, eu também
posso fazer o mesmo. O grande
problema é que o impulso por
trás da eletrônica não é intelectual, é econômico. E como é
econômico não aceita argumentações intelectuais.
FOLHA - E que riscos corremos?
MANGUEL - Muitos, mas um dos
mais graves é que estamos perdendo nossos arquivos. Antes,
tínhamos como reconstituir o
modo como se criou algo, uma
seqüência de textos que chegam até o texto definitivo. Notas, manuscritos, correções.
Agora temos apenas um texto
que parece ser o definitivo cada
vez que é corrigido. E isso traz
uma infinidade de problemas
para a construção do conhecimento humano.
A BIBLIOTECA À NOITE
Autor: Alberto Manguel
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 45 (304 págs.)
Lançamento: hoje, às 20h30, no Sesc
Pinheiros (r. Paes Leme, 195, tel. 0/
xx/11/3095-9400)
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