São Paulo, Segunda-feira, 30 de Agosto de 1999
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Templos, bingos e pornografia assumem cinemas

free-lance para a Folha

Esta história é baseada em fatos reais. O roteiro inclui pornografia, jogo e fé. Trata-se do drama de ascensão e queda da cinelândia paulistana, nas décadas de 40 e 50 um espetáculo de luzes full-time com cerca de 25 cinemas funcionando concomitantemente, bares e agitada vida noturna, hoje um conglomerado que se mantém em pé graças à exploração da crença religiosa, do jogo de azar e da pornografia.
Igrejas evangélicas, bingos e cines pornô. Eis a utilização atual da maioria das salas de projeção de que a São Paulo cosmopolita da metade deste século tanto se orgulhava.
Exemplos? O primeiro diz respeito à sala que "deu origem à série", ou melhor, à cinelândia: o Metro, na avenida São João.
O cinema foi inaugurado em 1938, seguindo os padrões internacionais do estúdio Metro-Goldwin-Mayer, o que significava decoração kitsch, muito néon e, uma novidade no país, ar-condicionado. Hoje é palco para os evangélicos.
Também na São João, outro palácio cinematográfico motivava a soberba dos paulistanos. Trata-se do Ritz, sala construída pelo empresário Paulo Sá Pinto, que também foi responsável pela edificação dos cines Marabá e República.
Como ele, Júlio Llorente e Francisco Serrador merecem os créditos pela paisagem eletrizante em que foi transformada a região central nos anos 50, decorrência da "usina de sonhos" inventada pelos irmãos Lumière, que ficou conhecida dos paulistanos em 1907, data da primeira projeção na cidade.
O cinema, contudo, se afirmou como espetáculo acessível às massas somente na década de 20, quando houve a inauguração do cine Rosário no edifício Martinelli, o mais alto do país naquela época, também no centro.
Voltando ao Ritz, não é muito difícil imaginar sua utilização hoje em dia: é templo evangélico.
A explicação para o tipo de ocupação vivenciada pelos cinemas do centro é bastante complexa. Em 1982, a divisão de pesquisas do Centro Cultural São Paulo iniciou um estudo, que culminou em 1990 com a publicação do livro "As Salas de Cinema em São Paulo", de Inimá Simões, indicando algumas pistas para o "fenômeno".
No livro, mostra-se a evasão de público que houve nos cinemas da capital desde 1955, quando foram frequentados por 58,7 milhões de pessoas, que se reduziram a 44,5 milhões em 1960 e 21,5 milhões em 1970. Fato que teria provocado a liquidação desses imóveis, às moscas.
Um breve passeio pelo centro comprova a circunstancial liquidação desse patrimônio. O tradicional Cine Marrocos, que ultimamente havia aderido à programação pornográfica, hoje está disponível para locação, assim como o Comodoro, primeiro cinema da capital a exibir filmes em 3D, e o Regina, transformado em estacionamento. Enquanto isso, o Cinespacial, que exibia filmes em três telas numa mesma sala, e o Paissandu são bingos. (CAC)


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