São Paulo, segunda-feira, 30 de setembro de 2002

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Música para ler mpb


"Música Popular Brasileira Hoje", editado por Arthur Nestrovski, faz 99 retratos da produção contemporânea


PLÍNIO FRAGA
DA REPORTAGEM LOCAL

No princípio, era o verbete, e o verbete estava com eles, e o verbete eram eles. Assim poderia, em paródia tipicamente nacional, começar uma bíblia dedicada à MPB. Mas "Música Popular Brasileira Hoje", livro organizado pelo crítico musical Arthur Nestrovski, não pretende ser a bíblia do tema.
"Não é uma enciclopédia nem tem a pretensão de estabelecer um cânone da música popular brasileira hoje. Trata-se, menos sistematicamente, de uma antologia de 99 comentários, sobre 99 nomes da nossa música", diz o organizador, em sua apresentação.
Inicialmente, há a estranheza do 99 ante a tradição dos números redondos. "Para evitar a ilusão da completude do cem", justifica Nestrovski.
São 316 páginas que marcam o 50º volume da série Folha Explica, editada pelo Publifolha. Entre os autores dos textos, estão escritores, poetas e acadêmicos, além de críticos musicais e jornalistas especializados ou não.
Os perfilados estão entre os principais artistas vivos da música brasileira, mas há ausências reconhecidas pelo próprio organizador, como as de Luiz Melodia e Martinho da Vila, entre outros.
Mais que simples relatos biográficos, os textos embutem de uma visão sociocultural ampla à fruição artística pura e simples, passando até por alguns experimentos de crítica poética.
Por exemplo, o artista plástico Nuno Ramos define a poesia de Paulinho da Viola como se "fosse esforço para ultrapassá-la, conservando-a". Já o professor de filosofia Renato Janine Ribeiro discute o Brasil ao analisar o pernambucano Antonio Nóbrega: "É curioso que no Nordeste a fronteira do erudito com o popular seja mais permeável que no Sul; que o Sul comercial não goste do nosso passado brasileiro, e que o Sul intelectual simpatize com ele".
O crítico de música e arte Lorenzo Mammì esquadrinha Dorival Caymmi como o cantador do homem perfeitamente livre e o situa na MPB: "Ocupa um lugar intermediário entre história e pré-história, natureza e cultura, onde as seduções do moderno e do arcaico convivem pacificamente".
No livro, mais que o caminhar de um artista, está a tentativa de deslindar o local da chegada, como na análise de José Geraldo Couto sobre Jorge Ben Jor.
"Se a bossa nova embranqueceu o samba, Jorge Ben enegreceu a bossa -não por meio de uma volta às raízes do samba carioca, e sim pela assimilação antropofágica da música negra norte-americana: o jazz, o rhythm'n'blues, depois o soul e o funk."
Nesse caminhar, o crítico Pedro Alexandre Sanches aponta os perdidos, ao comentar a obra de um artista tido como novo, mas há muito na estrada. "Lenine, acontecesse em 1983 da forma que aconteceu em 1997, teria poupado à MPB 15 anos de morosidade."
É esse panorama, um recorte do momento, a que se propôs Nestrovski. "Nossa idéia de país está muito ligada à música popular. É um recorte variado e abrangente. Uma imagem de como se pensa o Brasil", declara o organizador.
"Música Popular Brasileira Hoje" abre o leque do que é nacional e do que é reconhecido como tal, ao menos no texto do jornalista Lúcio Ribeiro sobre o Sepultura. "Está longe ser leviano apontar o grupo de heavy metal dos irmãos Cavalera como o expoente musical brasileiro mais conhecido no exterior, desde sempre."
A discussão sobre o que é MPB pode prosseguir no texto de Alcino Leite Neto sobre Bebel Gilberto. "A MPB nasceu do confronto e do diálogo das elites culturais com a produção musical das classes baixas. Ela se desenvolveu do projeto interclassista, manifestando uma utopia nacional. Extinta como tal, depois que se acentuaram os atritos sociais no país, a MPB é hoje apenas uma sigla nostálgica no Brasil. Só o exílio lhe garante sobrevida criadora."


MÚSICA BRASILEIRA POPULAR HOJE -
Vários autores (com organização de Arthur Nestrovski). Editora: Publifolha. Quanto: R$ 16,90 (316 págs.).




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