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FESTIVAL DO RIO BR
Filmagens de "Bonaerense" tiveram de ser interrompidas por falta de dinheiro provocada pela crise
Trapero desvenda a periferia argentina
IVAN FINOTTI
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
Para fazer um filme que retratasse a burocracia e a corrupção
policial na Grande Buenos Aires,
o diretor argentino Pablo Trapero
entrou numa delegacia e disse que
tinha sido roubado. Tudo mentira. Tratava-se apenas de parte da
pesquisa "in loco" do diretor.
"Queria ver como era tratado por
eles", afirma o cineasta.
Parece ter dado certo. "Bonaerense" está em sua segunda semana em Buenos Aires e causa curiosas reações opostas. Os bonaerenses (habitantes da província)
acham que é comédia. Os portenhos (nascidos na capital), que é
drama. De qualquer forma, é um
sucesso no país. Foi visto por 53
mil espectadores na Grande Buenos Aires na primeira semana, ficando atrás apenas de "Insônia",
com Al Pacino.
Aos 30 anos e já respeitado por
sua fita de estréia, "Mundo Grúa"
(1999), Trapero teve sérias dificuldades econômicas para realizar
"Bonaerense", nome com que são
conhecidos os habitantes da Província e os policiais da região.
Filho de um vendedor de carburadores, Trapero nasceu e foi criado na periferia que retrata. Sua família está toda no filme. A avó faz
a mãe do personagem principal.
O pai é um cliente que reclama de
uma chave mal copiada e a mãe é
uma corretora de imóveis.
Em visita ao Festival do Rio BR
2002, Trapero concedeu a seguinte entrevista à Folha.
Folha - Seus dois filmes retratam
a população pobre da zona oeste
de Buenos Aires. Por que esse assunto?
Pablo Trapero - Primeiro porque
me interessa o tema. Em "Bonaerense", o personagem Zapa vira
um policial porque precisa de um
trabalho e sua vida se transforma.
Retrato a periferia porque vim de
lá, da zona oeste da Grande Buenos Aires. Na Argentina, sempre
se mostra a Patagônia ou os cafés
europeus, mas me interessa o outro lado. A forma de viver da periferia é muito diferente.
Folha - Diferente como?
Trapero - O pessoal da capital
trata os outros como índios. Há
postos policiais nas avenidas do
limite da cidade para, de certa forma, controlar quem vive na periferia. O filme está causando reações bem diferentes. Nas sessões
da periferia, não param de rir, tratam o filme como comédia. Na capital, acham que é um drama.
Folha - Você criou tudo ou pesquisou as delegacias?
Trapero - O primeiro roteiro eu
criei. Mas depois comecei a investigar. Às vezes parava um policial
na rua e pedia fogo só para conversar qualquer coisa. Reclamei
na delegacia que perdi documento para entrar lá, por exemplo.
Folha - Mas não tinha perdido
mesmo?
Trapero - Não. Queria ver como
era tratado. Mais tarde, fiz um
contato oficial para poder filmar
em delegacias verdadeiras, usar
uniformes e carros de polícia.
Folha - O que os bonaerenses
acharam do seu filme?
Trapero - Há duas opiniões. O
policial de rua adorou. Certa noite, vi quatro policiais uniformizados saindo do cinema. Já os oficiais disseram que as coisas que
mostrei, como corrupção e burocracia, não são verdade. O mais
incrível é que as notícias dos jornais sobre a polícia são dez vezes
piores que o filme.
Folha - Como a crise argentina
afetou a produção?
Trapero - As filmagens começaram em dezembro. Dois dias antes, aconteceu a crise. Meus 300
mil pesos, que valiam US$ 300
mil, passaram a valer US$ 100 mil.
Para piorar, não se podia sacar o
dinheiro. O que fazer? Juntamos o
dinheiro que estava na carteira de
toda a equipe -deu uns 5.000 ou
10 mil pesos- e filmamos a primeira semana. Fiquei devendo
para todos. Só conseguimos continuar dois meses depois.
BONAERENSE - El Bonaerense. Direção:
Pablo Trapero. Argentina, 2002. Quando:
amanhã, às 14h30 e às 19h30, no Estação
Barra Point (site oficial: www.festivaldorio.br.com.br).
O jornalista Ivan Finotti viajou ao Rio a
convite do Festival do Rio BR
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