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'quero esquecer o politicamente correto'
Aguinaldo Silva defende "excessos" em folhetim e
insere favela mais "realista" que a de "Cidade de Deus'
DA ENVIADA ESPECIAL AO RIO
Leia a continuação da entrevista com Aguinaldo Silva.
(LAURA MATTOS)
FOLHA - Todos temos duas caras?
AGUINALDO SILVA - Sim, isso tem
a ver com a ambigüidade humana. Estamos sempre entre o
bem e o mal, sem saber para
que lado ir. Na novela, fiz todos
com duas caras, e isso quebra o
maniqueísmo que tem assolado as novelas. Desta vez não haverá isso, tanto que não terei o
grande vilão, que adoro fazer,
como Nazaré [Renata Sorrah,
"Senhora do Destino"], Perpétua [Joana Fomm, "Tieta"] ou
Altiva [Eva Wilma, "A Indomada"]. Embora o protagonista
[Dalton Vigh] seja o vilão, ele
busca redenção. Larga a mulher e faz plásticas para fugir,
mas quer deixar de ser um criminoso. Com "Duas Caras",
também quero esquecer totalmente o politicamente correto,
que está matando as novelas.
Novela tem que ser feita de excessos, de gente que diz: "Você
vai casar com um negro favelado?!" Não dá para dizer: "Minha filha, você não acha que deveria considerar a possibilidade..." Melodrama não tem meio
termo, e as novelas entraram
nesse "nada pode". O público
entende, a contrapartida vem.
FOLHA - Por que decidiu inserir
uma favela em "Duas Caras"?
SILVA - Em minhas novelas,
sempre uso o truque de criar a
cidadezinha do interior onde
todos podem se cruzar. "Duas
Caras" se passa na freguesia de
Jacarepaguá, que abrange a
Barra e uma favela monumental, Rio das Pedras. No meio dela, há uma avenida por onde todos passam sem problema. Lá
não tem traficantes porque tem
milícia. Isso é discutível, mas é
a verdade. Na minha favela não
vai ter milícia, mas haverá um
homem, Juvenal Antena [Antonio Fagundes], que reina sobre o lugar. Eu o comparo aos
líderes populistas latino-americanos, que se consideram pais
dos povos. Lula tem um pouco
de achar que tem a missão de
guiar o povo brasileiro, o que eu
acho odioso em sua personalidade. Juvenal é de um carisma
forte, mas será contestado pelo
personagem do Lázaro Ramos,
o verdadeiro herói da novela.
FOLHA - Por que optou por não retratar o tráfico de drogas na favela?
SILVA - Confesso que fiquei
chocado com tudo o que se fez
recentemente sobre favela, menos a novela do Marcílio [Moraes, de "Vidas Opostas", Record]. Mas "Cidade de Deus", por exemplo, não tem pessoas,
tem estereótipos de bandidos.
Onde estão os trabalhadores?
Conheço a Cidade de Deus e sei
que as pessoas saem todos os
dias para trabalhar. Acho o filme um pavor. Visualmente tem
uma linguagem alucinante, e
isso distrai as pessoas. Mas você não pode pegar uma comunidade como aquela e dar a impressão de que todo mundo é bandido. Não vou contribuir
para essa imagem estereotipada. A favela é um bairro, a única
diferença é que as pessoas são
menos favorecidas e não há infra-estrutura. Em "Duas Caras"
não vou usar a favela para discutir conflitos sociais, mas
existenciais. As pessoas são como nós, têm paixões, ódios.
FOLHA - Mas por que a favela e não
aqueles subúrbios cenográficos comuns nas novelas? Não foi em razão
do sucesso da Record ao criar uma
novela ambientada na favela?
SILVA - Não. E quem botou a favela primeiro em horário nobre
fui eu, em "Senhora do Destino". Tinha até escola de samba
na favela. A Record, por ter começado a fazer teledramaturgia recentemente, só conta a
história dela. A questão de
"Duas Caras" foi geográfica.
Não quero fazer novelas no
Nordeste, porque já fiz muitas.
Tivemos novelas no Leblon,
Copacabana. Juntei a Barra,
com condomínios fantásticos,
favela e Jacarepaguá, de classe
média sofrida. É um Brasil.
FOLHA - Mas a representação da
favela em "Vidas Opostas", da Record, foi mais ampla que a de "Senhora do Destino" e mais realista.
Eles inclusive gravaram na favela, e
a de "Duas Caras" será cenográfica.
SILVA - Não sei se realista, era
uma novela policial. Esse estereótipo de a favela ser sempre o
lugar onde acontecem as histórias policiais me desagrada
muito. Quero fazer o contrário,
resgatar, para usar uma palavra
da moda, a cidadania dos moradores da favela, que não são só
do bonde do mal. Os bandidos,
apesar do controle, são minoria. As minhas histórias policiais não serão ambientadas
nas favelas. A minha favela é
que vai ser realista. Será cenográfica, mas não acrescenta nada a uma ficção ser gravada numa favela real. Novela não é jornalismo. E a Globo não pode
gravar na favela como a Record.
Imagina a confusão que ia ser
colocar o Fagundes todo dia lá!
Quando falei em colocar uma
favela na novela, a Globo ficou
um pouco temerosa. Até que viram na sinopse que eu não ia fazer uma "Cidade de Deus".
FOLHA - Escolheu Lázaro Ramos
para fazer o herói por ser negro?
SILVA - O Brasil estava ansiando por um grande ator negro,
como ele, que tivesse características de galã, de mocinho. E
eu queria ter o primeiro herói
negro de novela das oito.
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