São Paulo, domingo, 30 de setembro de 2007

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'quero esquecer o politicamente correto'

Aguinaldo Silva defende "excessos" em folhetim e insere favela mais "realista" que a de "Cidade de Deus'

DA ENVIADA ESPECIAL AO RIO

Leia a continuação da entrevista com Aguinaldo Silva.

(LAURA MATTOS)  

FOLHA - Todos temos duas caras?
AGUINALDO SILVA
- Sim, isso tem a ver com a ambigüidade humana. Estamos sempre entre o bem e o mal, sem saber para que lado ir. Na novela, fiz todos com duas caras, e isso quebra o maniqueísmo que tem assolado as novelas. Desta vez não haverá isso, tanto que não terei o grande vilão, que adoro fazer, como Nazaré [Renata Sorrah, "Senhora do Destino"], Perpétua [Joana Fomm, "Tieta"] ou Altiva [Eva Wilma, "A Indomada"]. Embora o protagonista [Dalton Vigh] seja o vilão, ele busca redenção. Larga a mulher e faz plásticas para fugir, mas quer deixar de ser um criminoso. Com "Duas Caras", também quero esquecer totalmente o politicamente correto, que está matando as novelas. Novela tem que ser feita de excessos, de gente que diz: "Você vai casar com um negro favelado?!" Não dá para dizer: "Minha filha, você não acha que deveria considerar a possibilidade..." Melodrama não tem meio termo, e as novelas entraram nesse "nada pode". O público entende, a contrapartida vem.

FOLHA - Por que decidiu inserir uma favela em "Duas Caras"?
SILVA
- Em minhas novelas, sempre uso o truque de criar a cidadezinha do interior onde todos podem se cruzar. "Duas Caras" se passa na freguesia de Jacarepaguá, que abrange a Barra e uma favela monumental, Rio das Pedras. No meio dela, há uma avenida por onde todos passam sem problema. Lá não tem traficantes porque tem milícia. Isso é discutível, mas é a verdade. Na minha favela não vai ter milícia, mas haverá um homem, Juvenal Antena [Antonio Fagundes], que reina sobre o lugar. Eu o comparo aos líderes populistas latino-americanos, que se consideram pais dos povos. Lula tem um pouco de achar que tem a missão de guiar o povo brasileiro, o que eu acho odioso em sua personalidade. Juvenal é de um carisma forte, mas será contestado pelo personagem do Lázaro Ramos, o verdadeiro herói da novela.

FOLHA - Por que optou por não retratar o tráfico de drogas na favela?
SILVA
- Confesso que fiquei chocado com tudo o que se fez recentemente sobre favela, menos a novela do Marcílio [Moraes, de "Vidas Opostas", Record]. Mas "Cidade de Deus", por exemplo, não tem pessoas, tem estereótipos de bandidos. Onde estão os trabalhadores? Conheço a Cidade de Deus e sei que as pessoas saem todos os dias para trabalhar. Acho o filme um pavor. Visualmente tem uma linguagem alucinante, e isso distrai as pessoas. Mas você não pode pegar uma comunidade como aquela e dar a impressão de que todo mundo é bandido. Não vou contribuir para essa imagem estereotipada. A favela é um bairro, a única diferença é que as pessoas são menos favorecidas e não há infra-estrutura. Em "Duas Caras" não vou usar a favela para discutir conflitos sociais, mas existenciais. As pessoas são como nós, têm paixões, ódios.

FOLHA - Mas por que a favela e não aqueles subúrbios cenográficos comuns nas novelas? Não foi em razão do sucesso da Record ao criar uma novela ambientada na favela?
SILVA
- Não. E quem botou a favela primeiro em horário nobre fui eu, em "Senhora do Destino". Tinha até escola de samba na favela. A Record, por ter começado a fazer teledramaturgia recentemente, só conta a história dela. A questão de "Duas Caras" foi geográfica. Não quero fazer novelas no Nordeste, porque já fiz muitas. Tivemos novelas no Leblon, Copacabana. Juntei a Barra, com condomínios fantásticos, favela e Jacarepaguá, de classe média sofrida. É um Brasil.

FOLHA - Mas a representação da favela em "Vidas Opostas", da Record, foi mais ampla que a de "Senhora do Destino" e mais realista. Eles inclusive gravaram na favela, e a de "Duas Caras" será cenográfica.
SILVA
- Não sei se realista, era uma novela policial. Esse estereótipo de a favela ser sempre o lugar onde acontecem as histórias policiais me desagrada muito. Quero fazer o contrário, resgatar, para usar uma palavra da moda, a cidadania dos moradores da favela, que não são só do bonde do mal. Os bandidos, apesar do controle, são minoria. As minhas histórias policiais não serão ambientadas nas favelas. A minha favela é que vai ser realista. Será cenográfica, mas não acrescenta nada a uma ficção ser gravada numa favela real. Novela não é jornalismo. E a Globo não pode gravar na favela como a Record. Imagina a confusão que ia ser colocar o Fagundes todo dia lá! Quando falei em colocar uma favela na novela, a Globo ficou um pouco temerosa. Até que viram na sinopse que eu não ia fazer uma "Cidade de Deus".

FOLHA - Escolheu Lázaro Ramos para fazer o herói por ser negro?
SILVA
- O Brasil estava ansiando por um grande ator negro, como ele, que tivesse características de galã, de mocinho. E eu queria ter o primeiro herói negro de novela das oito.


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