São Paulo, domingo, 30 de setembro de 2007

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BIA ABRAMO

As distâncias entre periferia e centro


Mesmo que conduzida por olhar externo, as histórias de "Antônia" se dão num regime de mão dupla

"ANTÔNIA" VOLTOU à TV, depois de uma passagem intrigante pelo cinema. Quando o longa de Tata Amaral chegou aos cinemas, depois de uma temporada bem-sucedida na TV, a expectativa era a de que houvesse uma confluência de públicos, o que não se confirmou.
É claro que a primeira especulação explicativa seja a da existência de um divórcio entre os dois públicos, o de cinema e o de TV. De acordo com ela, os espectadores que se interessariam pelo universo de "Antônia" -feminino, da periferia- teriam se contentado com a série na TV e não teriam ou o hábito ou as condições para ir ao cinema; e, por sua vez, o público de classe média, que vai ao cinema, só teria interesse na periferia quando ela promete as emoções fortes do confronto e da violência.
Pode ser, mas talvez haja algo que escape a essa explicação publicitário-demográfica: mais do que um divórcio, há um abismo de comunicação entre a periferia e o centro que torna os diálogos quase impossíveis.
Sintoma dessa impossibilidade foi o que se viu no "Roda Viva" com Mano Brown: os entrevistados, cada um à sua maneira, desconfortáveis e postiços seja no papel "compreensivo", seja no da "proximidade", o entrevistado sem ter lá muito o que dizer, tanto por conta da própria falta de eloqüência como diante de algo que parecia ser uma não-compreensão do propósito das perguntas.
Ainda assim, foi um dos programas mais importantes da história do "Roda Viva", justamente por ter tornado explícita, quase dolorosa, a dificuldade gigantesca do diálogo. As ferramentas tradicionais fornecidas pelas ciências sociais, pela cultura e mesmo pelo jornalismo, não são mais suficientes para fazer a ponte sobre esse abismo que nos funda. Ou, pelo menos, não da forma como ainda empregamos esses instrumentos a partir do centro.
Pois bem, e "Antônia" nisso tudo? Minissérie e filme são, em tudo, mais positivos do que, digamos, o rap dos Racionais MC's, e apostam numa possibilidade, se não de diálogo, pelo menos de trânsito. Só que, como sugerem os roteiros dessa segunda temporada, essa circulação está, a todo momento, marcada, definida e, por vezes, truncada pelas distâncias. Mesmo que conduzida por um olhar mais ou menos externo, portanto, também afetado pela distância, as histórias de "Antônia" se dão num regime de mão dupla.
A ficção, entretanto, tem lá seus truques para fazer as coisas acontecerem -ainda por cima se é boa, como é o caso de "Antônia". De qualquer maneira, esses abismos, silêncios e distâncias têm informado algo que parece vital entender.

biabramo.tv@uol.com.br


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