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MÚSICA ERUDITA
Academy funde o clássico e o romântico
ARTHUR NESTROVSKI
especial para a Folha
Onde acaba Mozart e começa
Schubert? A pergunta estava implícita no programa de um bom concerto da Academy of Ancient Music, segunda, no Cultura Artística.
O clássico e o romântico se cruzam
quando interpretados por uma orquestra de câmara como essa.
Transparente, leve, rápida, fazendo valer ao máximo o som dos
instrumentos originais, a Academy, regida por Christopher
Hogwood, é ainda um dos melhores conjuntos de música antiga em
atividade, 25 anos depois de sua
fundação. Não é uma orquestra
dos sonhos, não faz ninguém levitar. Mas toca tudo com inteligência
e brio, e pelo menos em alguns momentos com evidente prazer.
Onde acaba Schubert e começa
Mozart não seria uma pergunta legítima, porque a influência, neste
caso, não chega a ter duas mãos.
Nem mesmo Schubert consegue se
fazer ouvir dentro de Mozart. Na
"Sinfonia nš 33", por exemplo, de
1779, as abstrações do classicismo
guardam um peso de melancolia
que não tem nada da miséria de inverno de Schubert. A Academy tocou a Sinfonia com mais abstração
do que melancolia - uma característica desta orquestra, que às vezes chega a cansar de tanta leveza.
A estrela da noite foi a soprano
escocesa Lorna Anderson, que
cantou o motete "Exsultate, Jubilate", de Mozart, na primeira parte, e
o pouco conhecido e lindo "Salve
Regina", de Schubert, na segunda.
Musicalmente discreta, sem nenhuma timidez, Anderson é refinada, tranquila, carinhosa com cada nota, com empostação natural.
Tem um quê de distância, ou reserva, mas canta com tanta fluência e
generosidade musical que fica fácil
desculpar a falta de arroubo.
O melhor ficou mesmo para o
fim, com a "Sinfonia nš 5" de Schubert. Há um vídeo caseiro do pianista Glenn Gould tocando o início
da sinfonia. A alegria de Gould é
inesquecível, cantarolando o primeiro tema junto com o piano, fazendo uma música tão cheia de
bons sentimentos que chega a dar
vontade de chorar. É um Schubert
mozartiano, mesmo para Gould,
que não gostava de Mozart.
Foi um Schubert mozartiano
também que Hogwood regeu, com
intenção de fazer se falarem as
duas sinfonias do programa. As
duas são, entre outras coisas, exercícios de composição com o semitom - uma das descobertas "românticas" de Mozart, assim como
as alterações de modo maior para
menor e vice-versa, que marcam o
minueto da "Sinfonia nš 33" e a
sinfonia de Schubert inteira.
Mozart morreu com 35 anos e só
se pode especular sobre que música ele não teria chegado a escrever
com 70. Com 60, em 1816, poderia
ter escrito algo como a sinfonia de
Schubert. Tocada assim, com apenas seis primeiros violinos, flauta
de madeira, trompas naturais, violoncelo sem espigão, a música soa
mais aberta, mais leve, menos século 19 do que o habitual. Falta um
pouco mais de sombra, de peso,
um pouco mais de século 19, mas
reclamar isso da Academy não seria justo: é quase o contrário do
que eles querem fazer.
Boa música tão bem tocada é
sempre um prazer. Não foi um
concerto arrebatador, mas foi
muito bonito e deixou a gente mais
leve e menos século 19 do que o habitual. E a essa altura quem não
precisa perder um pouco de peso?
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