|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CRÍTICA
Cineasta faz
de toda mulher
a Virgem Maria
especial para a Folha
Quando a produtora Donatella Pallermo mostrou ao diretores da RAI 1, o livro escrito por
Sergio Toffetti e Stefano Francia
di Celle sobre a obra ímpar do
cineasta Tonino De Bernardi,
foi como um balde de água fria
no projeto de filmagem de
"Apaixonadas".
Ao invés de relevarem o peso
cultural da presença de um poeta do cinema, foi justamente o
aval de intelectuais e artistas renomados e intransigentes como
Adriano Aprá, Stephen Dwoskin, Jonas Mekas, Allen Ginsberg e Cristina Piccino (do
"subversivo" periódico "Il Manifesto") que assustou os executivos de Armani.
Mas o bom senso e a sensibilidade de Donatella privilegiou o
talento instintivo e erudito do
roteirista e diretor, dando todas
as condições necessárias para
ele expressar seu desmesurado
amor a Nápoles e à musicalidade de seus habitantes.
"Apaixonadas" é Bertolt
Brecht, é Luigi Pirandello, é
Kurt Weill, é Jean-Marie Straub,
é Pier Paolo Pasolini e Roberto
Rosselini, com suas 21 canções
tecendo uma narrativa livre sobre mulheres doentes de paixão.
Mulheres que matam os homens que amam para fazê-los
ressuscitar para a candura da
memória. Amores trágicos que
se eternizam pela pólvora de
uma pistola. Tonino ama as mulheres vulgares com a mesma
intensidade de um devoto da
Virgem Maria.
Há uma tamanha exegese da
paixão, que rivais acabam se defrontando nas sombras de uma
prisão feminina para se solidarizarem na ausência de seus parceiros. Rito e sacralidade no
universo profano das paixões
escusas.
"Apaixonadas" é um musical
sublime que se constrói na teatralidade dos sentimentos. Cortinas se abrem continuamente
para revelar a alma napolitana
com o pudor ético do forasteiro
De Bernardi.
Atrizes em estado de graça como Anna Bonaiuto, a musa de
Mario Martone, Inês de Medeiros (a irmã da atriz portuguesa
Maria), Galatea Ranzi, e as próprias filhas do diretor, Giulietta
e Verônica De Bernardi, são filmadas com a extasiante grandeza de olhar do peregrino das distantes províncias.
"Apaixonadas" é, antes de
mais nada, um gesto de amor
extremado para com uma cidade imaginária e real, com as mulheres da Itália ou do planeta inteiro e com o melhor do veio
poético e musical do cinema.
São imagens e melodias que impregnam a memória com a
mesma transcendência da mão
do amante morto que toca os
ombros da mulher abandonada
no belvedere.
Tonino De Bernardi fez seu
filme mais popular, mas absolutamente íntegro e inovador. Representou a Itália no último Festival de Veneza. Foi amado e criticado, como todos os grandes
inventores. Seu cinema não é só
estimulante; é necessário.
Transcrevo as palavras de Jonas Mekas, e assino embaixo:
"Sim, continue a trabalhar, Tonino. O mundo precisa de tua
poesia".
(CR)
Avaliação:
Filme: Apaixonadas (Apassionate)
Direção: Tonino De Bernardi
Produção: Itália, 1999, 95 min
Quando: hoje, às 18h, no Cinesesc (r.
Augusta 2.075, tel. 0/xx/11/282-0213)
Outra exibição na Mostra: não há
Texto Anterior: De Bernardi e a poesia do cinema errático Próximo Texto: Brasília vai ter 12 longas concorrentes Índice
|