São Paulo, Sábado, 30 de Outubro de 1999
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CRÍTICA
Cineasta faz de toda mulher a Virgem Maria

especial para a Folha

Quando a produtora Donatella Pallermo mostrou ao diretores da RAI 1, o livro escrito por Sergio Toffetti e Stefano Francia di Celle sobre a obra ímpar do cineasta Tonino De Bernardi, foi como um balde de água fria no projeto de filmagem de "Apaixonadas".
Ao invés de relevarem o peso cultural da presença de um poeta do cinema, foi justamente o aval de intelectuais e artistas renomados e intransigentes como Adriano Aprá, Stephen Dwoskin, Jonas Mekas, Allen Ginsberg e Cristina Piccino (do "subversivo" periódico "Il Manifesto") que assustou os executivos de Armani.
Mas o bom senso e a sensibilidade de Donatella privilegiou o talento instintivo e erudito do roteirista e diretor, dando todas as condições necessárias para ele expressar seu desmesurado amor a Nápoles e à musicalidade de seus habitantes.
"Apaixonadas" é Bertolt Brecht, é Luigi Pirandello, é Kurt Weill, é Jean-Marie Straub, é Pier Paolo Pasolini e Roberto Rosselini, com suas 21 canções tecendo uma narrativa livre sobre mulheres doentes de paixão. Mulheres que matam os homens que amam para fazê-los ressuscitar para a candura da memória. Amores trágicos que se eternizam pela pólvora de uma pistola. Tonino ama as mulheres vulgares com a mesma intensidade de um devoto da Virgem Maria.
Há uma tamanha exegese da paixão, que rivais acabam se defrontando nas sombras de uma prisão feminina para se solidarizarem na ausência de seus parceiros. Rito e sacralidade no universo profano das paixões escusas.
"Apaixonadas" é um musical sublime que se constrói na teatralidade dos sentimentos. Cortinas se abrem continuamente para revelar a alma napolitana com o pudor ético do forasteiro De Bernardi.
Atrizes em estado de graça como Anna Bonaiuto, a musa de Mario Martone, Inês de Medeiros (a irmã da atriz portuguesa Maria), Galatea Ranzi, e as próprias filhas do diretor, Giulietta e Verônica De Bernardi, são filmadas com a extasiante grandeza de olhar do peregrino das distantes províncias.
"Apaixonadas" é, antes de mais nada, um gesto de amor extremado para com uma cidade imaginária e real, com as mulheres da Itália ou do planeta inteiro e com o melhor do veio poético e musical do cinema. São imagens e melodias que impregnam a memória com a mesma transcendência da mão do amante morto que toca os ombros da mulher abandonada no belvedere.
Tonino De Bernardi fez seu filme mais popular, mas absolutamente íntegro e inovador. Representou a Itália no último Festival de Veneza. Foi amado e criticado, como todos os grandes inventores. Seu cinema não é só estimulante; é necessário.
Transcrevo as palavras de Jonas Mekas, e assino embaixo: "Sim, continue a trabalhar, Tonino. O mundo precisa de tua poesia". (CR)


Avaliação:     

Filme: Apaixonadas (Apassionate) Direção: Tonino De Bernardi Produção: Itália, 1999, 95 min Quando: hoje, às 18h, no Cinesesc (r. Augusta 2.075, tel. 0/xx/11/282-0213) Outra exibição na Mostra: não há

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