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LIVROS
Série "Mitológicas", do antropólogo francês, publicada entre 1964 e 1971 em quatro volumes, é vertida para português
Tradução revela "tapeçaria" de Lévi-Strauss
FERNANDO EICHENBERG
FREE-LANCE PARA A FOLHA, EM PARIS
Nascido no início do século passado, Claude Lévi-Strauss completa 95 anos dia 28 de novembro.
Para rememorar o trabalho intelectual do antropólogo francês
não são necessárias datas comemorativas, mas a editora Cosac &
Naify elegeu a ocasião para iniciar
o lançamento dos quatro volumes
de "Mitológicas", considerada
obra maior do autor de "Tristes
Trópicos" (1955). Até hoje, apenas o primeiro tomo, "O Cru e o
Cozido", foi publicado no Brasil,
pela Brasiliense, em 1991.
O cronograma de lançamento
da obra se estende até 2005: "O
Cru e o Cozido", até dezembro
deste ano; "Do Mel às Cinzas", até
junho de 2004; "Origens das Maneiras à Mesa" (título provisório),
até novembro de 2004, e "O Homem Nu", até março de 2005. A
etnóloga e professora de antropologia da USP Beatriz Perrone-Moisés é a responsável pela coordenação das notas e da tradução.
Em 2005, a Cosac & Naify pretende tirar ainda do prelo um guia
de leitura de "Mitológicas", escrito pelo antropólogo carioca
Eduardo Viveiros de Castro.
A filósofa francesa Catherine
Clément, 64, autora do elogiado
volume sobre Lévi-Strauss da coleção "Que Sais-Je?" e coordenadora da edição especial da revista
"Magazine Littéraire" dedicada
ao antropólogo, recém-lançada,
falou à Folha sobre "Mitológicas":
"É o que ele fez de mais importante. Escrito nos anos de sua plena
maturidade intelectual. Seu primeiro livro significativo é a tese
sobre as estruturas de parentesco,
de 1949 ("Estruturas Elementares
do Parentesco'). Depois, vem tudo relacionado à antropologia estrutural, mas que são conjunto de
artigos. E o grande trabalho é a série "Mitológicas", uma obra extremamente complexa".
Os quatro volumes, publicados
entre 1964 e 1971, foram elaborados e redigidos a partir de estudos
e analogias de relatos míticos de
centenas de tribos indígenas da
América do Sul e do Norte. A saga
debuta com o gesto em torno do
qual se articulam os mitos: a utilização do fogo para cozinhar a carne. "É uma verdadeira tapeçaria",
definiu Clément. "Foi a primeira
vez na história da antropologia
que se realizou um trabalho minucioso sobre um conjunto de
mitos gigantescos, para um continente inteiro."
Nada escapa ao sistema de códigos dos mitos, sejam as maneiras
à mesa, um gesto polido, um instrumento musical, as relações de
parentesco e entre os sexos. "Os
mitos não nos dizem nada que
nos instrua sobre a ordem do
mundo, a natureza do real, a origem do homem ou seu destino.
Os mitos nos ensinam muito sobre as sociedades das quais eles
provêm (...)", escreveu o autor.
Em "Tristes Trópicos", Lévi-Strauss aborda um momento da
história da condição humana; em
"Mitológicas", é o memorialista
de um momento da história do
espírito humano, definiu o antropólogo Michel Izard, no seu artigo
na "Magazine Littéraire". "A obra
procura decifrar o sensível nas
suas relações com o inteligível a
partir de sistemas lógicos", resumiu Clément.
Embora escreva hoje com menos regularidade e prodigalidade,
Lévi-Strauss é considerado pela
filósofa como um pensador contemporâneo e visionário, sobretudo por suas observações sobre o
islã e a ecologia em "Tristes Trópicos". Numa entrevista concedida
no ano passado ao filósofo Didier
Eribon, Lévi-Strauss lamentou o
"ressurgimento de uma antropologia imbuída de psicanálise, filosofia e ciência política". Sobre o
perigo potencial do homem, a poluição ambiental e o forte crescimento populacional no planeta,
suas palavras ganharam contornos nostálgicos e fatalistas: "Não é
o mundo que conheci, amei ou
que possa conceber. Para mim, é
um mundo inconcebível".
O CRU E O COZIDO. Autor: Claude Lévi-Strauss. Editora: Cosac & Naify. Quanto:
preço ainda não definido
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