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São Paulo, quinta-feira, 30 de outubro de 2003

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LIVROS

Série "Mitológicas", do antropólogo francês, publicada entre 1964 e 1971 em quatro volumes, é vertida para português

Tradução revela "tapeçaria" de Lévi-Strauss

FERNANDO EICHENBERG
FREE-LANCE PARA A FOLHA, EM PARIS

Nascido no início do século passado, Claude Lévi-Strauss completa 95 anos dia 28 de novembro. Para rememorar o trabalho intelectual do antropólogo francês não são necessárias datas comemorativas, mas a editora Cosac & Naify elegeu a ocasião para iniciar o lançamento dos quatro volumes de "Mitológicas", considerada obra maior do autor de "Tristes Trópicos" (1955). Até hoje, apenas o primeiro tomo, "O Cru e o Cozido", foi publicado no Brasil, pela Brasiliense, em 1991.
O cronograma de lançamento da obra se estende até 2005: "O Cru e o Cozido", até dezembro deste ano; "Do Mel às Cinzas", até junho de 2004; "Origens das Maneiras à Mesa" (título provisório), até novembro de 2004, e "O Homem Nu", até março de 2005. A etnóloga e professora de antropologia da USP Beatriz Perrone-Moisés é a responsável pela coordenação das notas e da tradução.
Em 2005, a Cosac & Naify pretende tirar ainda do prelo um guia de leitura de "Mitológicas", escrito pelo antropólogo carioca Eduardo Viveiros de Castro.
A filósofa francesa Catherine Clément, 64, autora do elogiado volume sobre Lévi-Strauss da coleção "Que Sais-Je?" e coordenadora da edição especial da revista "Magazine Littéraire" dedicada ao antropólogo, recém-lançada, falou à Folha sobre "Mitológicas": "É o que ele fez de mais importante. Escrito nos anos de sua plena maturidade intelectual. Seu primeiro livro significativo é a tese sobre as estruturas de parentesco, de 1949 ("Estruturas Elementares do Parentesco'). Depois, vem tudo relacionado à antropologia estrutural, mas que são conjunto de artigos. E o grande trabalho é a série "Mitológicas", uma obra extremamente complexa".
Os quatro volumes, publicados entre 1964 e 1971, foram elaborados e redigidos a partir de estudos e analogias de relatos míticos de centenas de tribos indígenas da América do Sul e do Norte. A saga debuta com o gesto em torno do qual se articulam os mitos: a utilização do fogo para cozinhar a carne. "É uma verdadeira tapeçaria", definiu Clément. "Foi a primeira vez na história da antropologia que se realizou um trabalho minucioso sobre um conjunto de mitos gigantescos, para um continente inteiro."
Nada escapa ao sistema de códigos dos mitos, sejam as maneiras à mesa, um gesto polido, um instrumento musical, as relações de parentesco e entre os sexos. "Os mitos não nos dizem nada que nos instrua sobre a ordem do mundo, a natureza do real, a origem do homem ou seu destino. Os mitos nos ensinam muito sobre as sociedades das quais eles provêm (...)", escreveu o autor.
Em "Tristes Trópicos", Lévi-Strauss aborda um momento da história da condição humana; em "Mitológicas", é o memorialista de um momento da história do espírito humano, definiu o antropólogo Michel Izard, no seu artigo na "Magazine Littéraire". "A obra procura decifrar o sensível nas suas relações com o inteligível a partir de sistemas lógicos", resumiu Clément.
Embora escreva hoje com menos regularidade e prodigalidade, Lévi-Strauss é considerado pela filósofa como um pensador contemporâneo e visionário, sobretudo por suas observações sobre o islã e a ecologia em "Tristes Trópicos". Numa entrevista concedida no ano passado ao filósofo Didier Eribon, Lévi-Strauss lamentou o "ressurgimento de uma antropologia imbuída de psicanálise, filosofia e ciência política". Sobre o perigo potencial do homem, a poluição ambiental e o forte crescimento populacional no planeta, suas palavras ganharam contornos nostálgicos e fatalistas: "Não é o mundo que conheci, amei ou que possa conceber. Para mim, é um mundo inconcebível".


O CRU E O COZIDO. Autor: Claude Lévi-Strauss. Editora: Cosac & Naify. Quanto: preço ainda não definido


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