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São Paulo, quinta-feira, 30 de outubro de 2003

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ARTES CÊNICAS

TEATRO

Roberto Lage encena texto do escritor, filósofo e dramaturgo franco-argelino sobre ato de violência na Rússia de 1905

Ágora aborda terrorismo em Camus

PEDRO IVO DUBRA
FREE-LANCE PARA A FOLHA

A inquietação artística que o terrorismo acarreta não é exclusiva do nosso tempo. Uma obra com mais de 50 anos já abordava o tema que hoje tantas leituras rende.
Trata-se de "Os Justos", de Albert Camus (1913-60), sobre a qual não há notícias de encenação no Brasil. A peça, montada pela primeira vez em 1949, na França, inicia temporada hoje no teatro Ágora, em São Paulo, com direção de Roberto Lage.
A iniciativa de trabalhar com o texto do escritor, dramaturgo e filósofo franco-argelino surgiu há mais ou menos um ano. Ensaios abertos foram realizados na semana passada, logo após um seminário em torno do legado do criador de "O Estrangeiro", "A Peste" e "O Mito de Sísifo" ter sido promovido pela companhia.
"Os Justos" se baseia num episódio ocorrido na Rússia, em 1905. Mostra um grupo de jovens terroristas que pretendem assassinar um grão-duque opressor dos opositores do czar e faz "uma meditação filosófica sobre a legitimidade da violência", nos dizeres do professor francês Jean-Yves Guérin, presente ao evento sobre Camus. O artista completaria 90 anos de idade em novembro.
Para Lage, 56, a peça enfoca um ato derradeiro de "terrorismo individual", que terminou suplantado pelo "terrorismo de Estado".
"Camus humaniza os terroristas, mas não faz um julgamento crítico, deixa a discussão em aberto para o espectador. E discute a atitude da França em relação à Argélia, a coisa do colonialismo e a resistência argelina", afirma.
Roberto Lage focalizou a sua encenação na direção dos atores e no aproveitamento das idéias do texto. Para ele, "Os Justos" apresenta um realismo "híbrido".
"Há componentes realistas, mas não sob o ponto de vista da construção de personagem. É um texto de tese, não de psicologismo. As personagens não são construídas a partir de um perfil psicológico, são quase arquetípicas, mas dentro de um contexto realista."
O encenador decidiu deslocar a ação da peça de 1905 para uma época indeterminada. Os figurinos da montagem do Ágora, criados pelos atores, buscam espelhar a neutralidade temporal. A cenografia, de Rodrigo Paz, intenta sugerir os diferentes locais da trama - um apartamento, um beco, uma cela de prisão- com poucos aparatos cênicos.
Referências da trilha sonora, por meio de trechos de discursos e princípios de temas musicais, mencionam Stálin, Hitler, o AI-5, Bush. "Os Justos" foi traduzido por Fernando Paz.


OS JUSTOS. Texto: Albert Camus. Direção: Roberto Lage. Com: Ágora -Centro de Desenvolvimento Teatral (Isadora Ferrite, Paulo Barcellos, Maurício Inafre, Mario Tommaso, Carlos Baldim, Luciano Brandão, Tairone Cardoso, César Figueiredo, Cissa Carvalho Pinto). Onde: teatro Ágora (r. Rui Barbosa, 672, SP, tel. 0/xx/11/3284-0290). Quando: estréia hoje para convidados, às 21h, e amanhã para o público, às 21h; de qui. a sáb., às 21h, e dom., às 19h. 14 anos. Quanto: de R$ 10 a R$ 20.


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