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O ataque do clone
Com a cara das novelas da Globo, "Prova de Amor", da Record, ameaça a global "Bang Bang", que passa por crise de identidade
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LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Quer assistir a uma novela da
Globo às 19h? Então ligue a TV na
Record. "Prova de Amor", que estreou nesta semana na emissora
da Igreja Universal, imita tintim
por tintim as tramas da concorrente, do elenco de ex-globais à
iluminação. De tão idêntica, chega a confundir telespectadores.
A estratégia tem boas chances
de dar certo e realizar o "sonho"
da Record de incomodar a Globo,
que nesse horário enfrenta uma
crise com o faroeste "Bang Bang".
Enquanto "Prova de Amor" é
folhetim dos mais tradicionais,
com vilãs muito más, mocinhas
muito boas e romances melados,
"Bang Bang" testa nova linguagem (teve até desenho animado
no primeiro capítulo), com enredo confuso para parte do público.
Isso sem falar que o autor, Mario
Prata, abandonou a história (oficialmente por problemas de saúde) poucos dias após a estréia e
que a protagonista é a inexperiente Fernanda Lima -cuja personagem, Diana, consegue ser mais
inexpressiva do que a Sol (Deborah Secco), de "América".
Márcia Prates, que assumiu o
lugar de Prata, diz que "a novela
ainda está se estabelecendo, os
números [de audiência] estão no
trilho", em resposta à Folha, por
e-mail, sobre a recente queda no
Ibope de "Bang Bang" -que registrou menos de 30 pontos de
média na última semana, abaixo
das expectativas da Globo.
A respeito da dificuldade do público em entender a trama, Prates
afirma novamente que "a novela
ainda está se estabelecendo".
Também não concorda que Fernanda Lima seja fraca ou que sua
escalação para o papel central tenha sido precipitada. "Adoramos
a Fernanda. Além de linda, é carismática e ilumina a tela. É a nossa mocinha perfeita", opina.
A Record, por outro lado, considera que não poderia haver concorrente melhor do que a trama
de Prata. "É oportuno concorrer
com "Bang Bang". Fomos felizes
de pegar esse panorama da concorrência, que por enquanto não
emplacou", diz Alexandre Avancini, global por 22 anos e agora diretor de "Prova de Amor".
O Ibope desta semana mostra
que a Record está no caminho
certo (ao menos em termos de audiência) e que a Globo tem muito
com o que se preocupar. Na segunda-feira, "Prova de Amor" teve média de 12 pontos com picos
de 15, o melhor resultado de estréia da nova fase de teledramaturgia da emissora ("A Escrava
Isaura" e "Essas Mulheres"). A
novela das sete da Globo marcou
29 (cada ponto equivale a 52,3 mil
domicílios na Grande São Paulo).
Contra "Bang Bang", que dispara para todos os lados, "Prova de
Amor" mira a caretice que tanto
agrada ao telespectador. A novela
faz um mix de estilos dos mais
consagrados autores da Globo,
como mostra o quadro ao lado.
Não é à toa. O autor, Tiago Santiago, lá trabalhou por 21 anos e
chegou a ser membro da Casa de
Criação Janete Clair, coordenada
por Dias Gomes e responsável pela teledramaturgia da Globo nos
anos 80. "Eu me criei na Globo,
cresci vendo novelas da Globo.
Minha referência é completamente global. Não vou negar isso e vou
levar o know-how para a Record."
De Manoel Carlos, "Prova de
Amor" tem a burguesia carioca, o
visual turístico do Rio. A abertura,
com praias e música brasileira,
lembra a de "Laços de Família".
"Temos propositalmente um
pezinho em Manoel Carlos. O Rio
é lindo, e vamos explorar ao máximo suas paisagens", diz Avancini, que trabalhou com o autor global em "Presença de Anita", "História de Amor" e "Por Amor".
A única diferença, que Santiago
ressalta, é que Manoel Carlos, 73,
morador do Leblon, mostra os ricos da zona sul; já Tiago, 42, da
Barra, optou pelos endinheirados
do lado oeste. "Vamos mostrar
outra praia porque eu surfo e o
Manoel Carlos, não", diverte-se.
"Prova de Amor" também tem
a sua Nazaré, vilã criada por Aguinaldo Silva e vivida por Renata
Sorrah em "Senhora do Destino".
Na Record, a ex-global Vanessa
Gerbeli é Elza, que rouba duas
crianças. Santiago defende que
elas não são iguais, que sua inspiração vem mais de "A Pequena
Órfã" (1968/69), da Excelsior. Mas
confessa: "Aprendi muito com o
Aguinaldo quando escrevi com
ele a minissérie "Cidade Nua", que
está na gaveta da Globo".
De Glória Perez, "Prova de
Amor" terá o merchandising social. Até campanha sobre desaparecimento de crianças, que a autora fez em "Explode Coração", se
repetirá. "São 20 mil pessoas desaparecidas por ano, e não há um
cadastro nacional. Tem de veículos furtados, mas não de crianças
desaparecidas. Não podemos deixar de fazer essa campanha só
porque a Glória Perez já fez há dez
anos", pondera Santiago.
Apesar de pertencer ao bispo
evangélico Edir Macedo, a Record
não economizou em homens
musculosos sem camisa, garotas
de biquíni e beijos. Qualquer semelhança com Carlos Lombardi
não é mera coincidência. Santiago
trabalhou como colaborador dele
em "Kubanacan", "Uga Uga" e
"Quinto dos Infernos". "Tenho o
ritmo dele, com mais realismo",
explica o autor da Record, que
também experimentou esse universo jovem em "Malhação".
O tom lombardiano, de praia e
peitos bronzeados, é reforçado
pela direção. Avancini dirigiu
"Kubanacan", "Uga Uga" e "Quatro por Quatro", todas do autor.
Além de um autor e um diretor
criados na Globo, a Record "roubou" da concorrente uma equipe
técnica completa: câmeras, iluminadores, produtores, diretor de
fotografia. Assim, tudo fica com
cara, quase cheiro, da Globo. E o
elenco é todo familiar, com Lavínia Vlasak, Marcelo Serrado, Leonardo Vieira, Heitor Martinez,
André Segatti, Cláudio Heirinch e
muitos outros. Desta vez, até os
coadjuvantes são ex-globais.
E não falta dinheiro no canal
dos evangélicos. Cada capítulo
custa em média R$ 115 mil (os da
Globo ficam em torno de R$ 150
mil). No próximo ano, virão as
novelas das oito -de Lauro César
Muniz- e das seis. E o ataque dos
clones estará completo.
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