São Paulo, sexta-feira, 30 de outubro de 2009

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Crítica / "Alô, Alô, Terezinha!"

Filme é espelho da televisão

Documentário sobre apresentador Chacrinha reproduz autoritarismo da mídia contemporânea

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Uma peça publicitária de "Alô, Alô, Terezinha!" traz o apresentador Chacrinha cercado por quatro ou cinco chacretes. A peça é honesta e a proporção está longe de ser inexata. No filme que, afirma o diretor, pretende tratar do mundo de Chacrinha, temos pouco a aprender sobre ele que não seja conhecido. É o "seu mundo" que está em foco.
Um mundo póstumo, pois Chacrinha morreu em 1988. Ele se divide, no filme, em três segmentos que poderiam ser descritos mais ou menos assim: um inferno, habitado pelos pobres coitados que Chacrinha expunha como a mercadoria barata do país; um purgatório, terreno privilegiado das chacretes, e o céu, morada dos cantores de sucesso.
Em vida, Chacrinha foi um personagem marcante pela maneira como levava à TV um estado anárquico num país dominado pelo autoritarismo e por uma TV marcada pela submissão, pelos rapapés e pela boçalidade. Suas emissões eram um espaço em que o inesperado, o inventivo e até o detestável podiam perfeitamente acontecer.
Quanto a ele, "Alô, Alô, Terezinha!" não tem quase nada a acrescentar. O essencial está nas imagens dos velhos programas (aliás: os da Globo estão caindo aos pedaços; os da TV Tupi, confiados à Cinemateca Brasileira, estão muito bem, obrigado). O filme transita com desenvoltura entre as três castas nomeadas acima.
Aos pobres coitados, é reservado o escárnio. Um ex-calouro talvez psicótico diz que Roberto Carlos é uma farsa. Outros dois, gagos, são chamados a cantar para as câmeras "Gago Apaixonado"...
As chacretes vivem entre o céu e o inferno. O céu é o passado. Elas tinham beleza, encanto, sensualidade. Questões desenvolvidas pelo filme: davam muito? Davam para quem? Chegaram a cobrar? Mas também, o seu destino. O que houve com toda aquela beleza? Elas engordaram, enfeiaram, mostraram mais claramente sua face suburbana. Uma delas hoje é cozinheira. E por aí vai. Seus dramas pessoais podem fazer a plateia rir gostosamente, como no caso da chacrete apaixonada por um gay.
Fundo filosófico: o tempo não perdoa a ninguém, muito menos à beleza; não perdoa, portanto, à mulher, essa aparência, e ao desejo que provocou. Fundo menos filosófico: é ao exercitar continuamente a invasão de privacidade que "Alô, Alô, Terezinha!" se faz um espelho fiel da mídia contemporânea, com seus programas tipo arremate de humanidade que se dedicam a impor, sob a aparência de baderna, a ordem implacável e autoritária do mais forte (a TV).
O terceiro estágio são os cantores. O tempo também os corrói, mas de outra forma. Estão lá para elogiar, agradecer pelos sucessos, blá-blá-blá. Se o principal do filme vem da montagem, com os sentidos que produz, aos cantores é dedicado o essencial do trabalho de mise-en-scène, que consiste em colocar no enquadramento, invariavelmente, um cachorro ou um parapente, na esperança de que provoquem um evento capaz de produzir riso.
Nelson Hoineff, diretor do filme, é crítico de cinema e tem considerável experiência como documentarista de TV. Produz, com "Alô, Alô, Terezinha!" um espelho quase impecável da mídia. Tem tudo para ser um sucesso. Ainda assim, é o caso de perguntar se a TV precisa mesmo de imagens que a desdobrem, se as coisas não vão suficientemente mal como vão. E se tais exercícios de humilhação pública de pessoas indefesas (os dos três estamentos focalizados) podem ser chamados de coisa decente. Pessoalmente, não me parece.


ALÔ, ALÔ TEREZINHA

Direção: Nelson Hoineff
Produção: Brasil, 2008
Onde: estreia hoje no Unibanco Arteplex, Reserva Cultural e circuito
Classificação: 14 anos
Avaliação: ruim




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