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Crítica / "Alô, Alô, Terezinha!"
Filme é espelho da televisão
Documentário sobre apresentador Chacrinha reproduz autoritarismo da mídia contemporânea
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Uma peça publicitária de
"Alô, Alô, Terezinha!" traz o
apresentador Chacrinha cercado por quatro ou cinco chacretes. A peça é honesta e a proporção está longe de ser inexata. No filme que, afirma o diretor, pretende tratar do mundo
de Chacrinha, temos pouco a
aprender sobre ele que não seja
conhecido. É o "seu mundo"
que está em foco.
Um mundo póstumo, pois
Chacrinha morreu em 1988.
Ele se divide, no filme, em três
segmentos que poderiam ser
descritos mais ou menos assim:
um inferno, habitado pelos pobres coitados que Chacrinha
expunha como a mercadoria
barata do país; um purgatório,
terreno privilegiado das chacretes, e o céu, morada dos cantores de sucesso.
Em vida, Chacrinha foi um
personagem marcante pela
maneira como levava à TV um
estado anárquico num país dominado pelo autoritarismo e
por uma TV marcada pela submissão, pelos rapapés e pela boçalidade. Suas emissões eram
um espaço em que o inesperado, o inventivo e até o detestável podiam perfeitamente
acontecer.
Quanto a ele, "Alô, Alô, Terezinha!" não tem quase nada a
acrescentar. O essencial está
nas imagens dos velhos programas (aliás: os da Globo estão
caindo aos pedaços; os da TV
Tupi, confiados à Cinemateca
Brasileira, estão muito bem,
obrigado). O filme transita com
desenvoltura entre as três castas nomeadas acima.
Aos pobres coitados, é reservado o escárnio. Um ex-calouro
talvez psicótico diz que Roberto Carlos é uma farsa. Outros
dois, gagos, são chamados a
cantar para as câmeras "Gago
Apaixonado"...
As chacretes vivem entre o
céu e o inferno. O céu é o passado. Elas tinham beleza, encanto, sensualidade. Questões desenvolvidas pelo filme: davam
muito? Davam para quem?
Chegaram a cobrar? Mas também, o seu destino. O que houve com toda aquela beleza? Elas
engordaram, enfeiaram, mostraram mais claramente sua face suburbana. Uma delas hoje é
cozinheira. E por aí vai. Seus
dramas pessoais podem fazer a
plateia rir gostosamente, como
no caso da chacrete apaixonada
por um gay.
Fundo filosófico: o tempo
não perdoa a ninguém, muito
menos à beleza; não perdoa,
portanto, à mulher, essa aparência, e ao desejo que provocou. Fundo menos filosófico: é
ao exercitar continuamente a
invasão de privacidade que
"Alô, Alô, Terezinha!" se faz um
espelho fiel da mídia contemporânea, com seus programas
tipo arremate de humanidade
que se dedicam a impor, sob a
aparência de baderna, a ordem
implacável e autoritária do
mais forte (a TV).
O terceiro estágio são os cantores. O tempo também os corrói, mas de outra forma. Estão
lá para elogiar, agradecer pelos
sucessos, blá-blá-blá. Se o principal do filme vem da montagem, com os sentidos que produz, aos cantores é dedicado o
essencial do trabalho de mise-en-scène, que consiste em colocar no enquadramento, invariavelmente, um cachorro ou
um parapente, na esperança de
que provoquem um evento capaz de produzir riso.
Nelson Hoineff, diretor do
filme, é crítico de cinema e tem
considerável experiência como
documentarista de TV. Produz,
com "Alô, Alô, Terezinha!" um
espelho quase impecável da mídia. Tem tudo para ser um sucesso. Ainda assim, é o caso de
perguntar se a TV precisa mesmo de imagens que a desdobrem, se as coisas não vão suficientemente mal como vão. E
se tais exercícios de humilhação pública de pessoas indefesas (os dos três estamentos focalizados) podem ser chamados de coisa decente. Pessoalmente, não me parece.
ALÔ, ALÔ TEREZINHA
Direção: Nelson Hoineff
Produção: Brasil, 2008
Onde: estreia hoje no Unibanco Arteplex, Reserva Cultural e circuito
Classificação: 14 anos
Avaliação: ruim
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