São Paulo, sexta, 30 de outubro de 1998

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Ratinho sabia de fraude


Montagem exibida há um ano pelo "Ratinho Livre', na Record, gerou inquérito policial e processo na Justiça; farsa revela esquema de histórias fictícias em Osasco


DANIEL CASTRO
da Reportagem Local

O esquema fraudulento de produção de histórias para os programas de Carlos Massa, o Ratinho, funciona há pelo menos um ano.
Embora venha negando ter conhecimento das farsas, reveladas pela Folha no último dia 18, o apresentador sabia do uso de pessoas comuns como atores em pelo menos um desses casos.
Em 27 de outubro do ano passado, quando ainda estava na Record, Ratinho exibiu uma história forjada que gerou processo judicial. O apresentador contratou três advogados de Curitiba para apresentar defesa em maio passado.
Além do esquema que funcionava em Mauá, que fabricou pelo menos 12 casos exibidos no SBT em apenas 30 dias, existia em Osasco, também na Grande São Paulo, uma produção mais antiga de farsas, "criada" pelo ex-repórter e ex-produtor do "Ratinho Livre" Rodolfo Carlos de Almeida, da dupla com ET. Rodolfo, que trabalhava com Ratinho desde 96, quando o apresentador estava na CNT/Gazeta, deixou a Record em fevereiro.
O esquema de Osasco gerou em outubro de 97, no segundo mês de existência do "Ratinho Livre", uma montagem que acabou no 23º Distrito Policial (Perdizes, zona noroeste de SP) e é hoje uma ação ordinária de indenização por danos morais (de R$ 2 milhões), em andamento desde 23 de dezembro de 97 na 20ª Vara Cível da capital.
A história, que Rodolfo Carlos admite ser o inventor, tinha como protagonista um office-boy de 18 anos, casado havia cinco com uma mulher muito mais velha, e que era desmascarado ao vivo, no programa, por um travesti que jurava ter um caso com ele.
No inquérito policial e em uma declaração registrada em cartório, a corretora de imóveis Enilde Cesária de Arruda Cordioli, que fez o papel da mulher traída, confessou a farsa e disse ter visto, no pátio da Record, Ratinho dar R$ 100 a Rodolfo para lhe pagar pela representação. O pagamento, segundo Enilde, só ocorreu na segunda vez em que ela foi cobrar a emissora.
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Aviso O repórter Rodolfo confirma a cena relatada por Enilde. "Eu avisei para o Ratinho pagar a mulher", afirma.
Embora não negue nem confirme a participação em outras farsas, Rodolfo se contradiz e afirma que criava casos "o necessário para atrair histórias verdadeiras."
Procurado pela reportagem, Ratinho não quis se manifestar sobre a revelação do esquema de Osasco. Há uma semana, o apresentador não fala mais sobre o assunto em seu programa e não dá entrevistas. Ao ser questionado sobre o esquema que funcionava em Mauá, Ratinho se disse "surpreso" e afirmou ter contratado detetives para investigar seus colaboradores.
O departamento jurídico do SBT também não se manifestou e o da Record, por meio de sua assessoria de imprensa, afirmou que a emissora nunca pagou cachês para participantes do "Ratinho Livre".
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"Papa-travesti" Para Marcelo Costa Silva, 19, que fez o papel do marido infiel de Osasco, as consequências de sua participação no "Ratinho Livre" foram desastrosas.
Além de não ter recebido um tostão do programa, ele perdeu a namorada, teve de abandonar temporariamente a escola e até hoje é chamado de "papa-travesti". "Minha vida virou um inferno. Teve gente que me perguntou se eu tinha Aids", lembra.
Silva diz que caiu numa armadilha. "Eu não sabia que o travesti ia falar que era meu amante. Nunca tinha visto aquele cara. Nos bastidores, a produção me disse que a matéria seria sobre o preconceito entre pessoas de idades diferentes. Quando vi o travesti me acusando de ter um caso com ele, não sabia se batia nele ou se saía correndo."
O office-boy diz ter recebido a proposta de participar de uma montagem do "Ratinho Livre" de Enilde, que fez o papel de mulher e a quem conhecia. Por sua vez, a corretora, que na época trabalhava na imobiliária da família de Rodolfo, diz ter sido incumbida de "arranjar um casal" por duas tias do repórter, Patrícia e Izabel de Almeida, que também participaram de montagens do "Ratinho Livre".
Silva afirma que aceitou a oferta de Enilde, que no programa era Márcia, por "ver nela uma chance de conseguir uma coisa diferente". "Ela me falou que eu poderia ser contratado. Não pensei nos R$ 100. Pensei em um emprego na televisão, o que sempre quis."
Revoltados, os pais do office-boy contrataram o advogado Osvaldo Trostolf, que entrou com a ação na Justiça, pedindo R$ 2 milhões de indenização. Nesse valor, não está incluído o pedido de participação de Silva na arrecadação do 0900 daquele dia, que perguntava: "Você acha que o homossexualismo é uma doença?".
Em sua defesa no processo judicial, a Record alegou não ter conhecimento de que a história era uma montagem. Semelhante argumento apresentaram, em 28 de maio passado, três advogados contratados diretamente por Ratinho em Curitiba.
A próxima etapa do processo deverá ser o depoimento das testemunhas. A principal do apresentador é Américo Luiz Matos Ribeiro, atual diretor de ação do "Programa do Ratinho" e que pagava à produtora free-lancer Rosemeire Regina Ramalho pelas armações de Mauá.



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