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CINEMA FESTIVAL DE BRASÍLIA
Mostra prova ter mais filmes do que cinema
INÁCIO ARAUJO
enviado especial a Brasília
"Hans Staden", de Luiz Alberto
Pereira, resume uma série de virtudes e defeitos do cinema brasileiro atual, que têm sido suscitados de maneira mais aguda pelo
32º Festival de Brasília.
Na coluna das virtudes genéricas, inscreva-se a solução de problemas de que se reclamava: som,
fotografia, cenografia etc.
Entre as pessoais, assinale-se o
amadurecimento do diretor. Temia-se que a aventura do alemão
capturado pelos índios tupinambás no século 16 fosse tratado como piada antropofágica -o que
em definitivo não acontece.
No entanto, este filme, que se
apresenta antes de mais nada como um espetáculo e uma aventura, foi recebido glacialmente pelo
público no sábado.
Talvez isso se deva a alguns defeitos também evidentes. O primeiro, central, diz respeito à falta
de um ponto de vista que o oriente. Ou seja: do que trata, efetivamente? De um homem retirado
de sua cultura e que, mesmo adotado por outra, precisa voltar à civilização? Do conflito entre duas
culturas? Da luta entre o deus dos
portugueses e os deuses índios?
Entre as linhas possíveis, o filme
hesita e não se define. É quase certo que dessa imprecisão do olhar
decorram os problemas adjacentes. O principal deles é que, passado o terço inicial, o filme não consegue plantar expectativas, e a
narrativa tende à monotonia.
Isso não chega a justificar a recepção fria. O filme, de tema ambicioso e difícil, não passa vergonha. Destaquem-se a boa atmosfera conseguida e a boa exploração das locações em Ubatuba.
O segundo filme do sábado,
"No Coração dos Deuses", de Geraldo Moraes, também é problemático, embora tenha um ponto
de partida também muito interessante: reencontrar a aventura dos
bandeirantes num filme infantil.
Infelizmente, a intenção perde-se
numa série de desvãos: desde a espacialidade imprecisa até um roteiro que, a exemplo de "Hans
Staden", não chega a criar um
crescendo que prenda a atenção.
A primeira tendência é apontar
o roteiro como problema. Pensando melhor, vê-se que é a narrativa, e da ausência de uma concepção narrativa mais sólida derivam os equívocos de roteiro.
Os dois filmes do domingo foram bem inferiores aos do sábado. "Um Certo Dorival Caymmi",
de Aluisio Didier, é burocrático,
um desperdício de um personagem carismático e interessante.
"Milagre em Juazeiro", de Wolney Oliveira, mescla documentário e dramatização de fatos ocorridos no fim do século 19, quando um suposto milagre (ao receber a hóstia, a boca de uma beata
começa a sangrar) torna o padre
Cícero, pároco de Juazeiro, Ceará, centro de uma polêmica teológica. Seria farsa ou milagre?
No total, o filme tende à dispersão, não apenas pela mistura
de gêneros. Ora discute-se o milagre, ora postula-se um confronto de culturas (as autoridades eclesiásticas não aceitariam
a santidade de uma analfabeta,
meio negra, meio índia), ora
acumulam-se cenas de romeiros
em busca de milagres. Desse caldo variado, emerge um olhar
populista (na linha "o povo tem
sempre razão"), antiquado.
Resumindo: o domingo confirma que há mais filmes do que
cinema em Brasília neste ano em
que o destaque, disparado, até
aqui, é o "São Jerônimo" de Júlio
Bressane.
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