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LITERATURA
"Beco" aponta falhas do cárcere
MARCELO RUBENS PAIVA
especial para a Folha
Plínio Marcos já cantou a tensão
e a solidariedade dos que vêem o
sol quadrado, os presidiários.
Mas nunca foi um deles (conseguia, como poucos, enxergar dentro de quem não era). Drauzio
Varella há anos trabalha na prisão. Seu "Estação Carandiru" é
um dos poucos livros que explicam a autogestão de um presídio.
Presos políticos de diversas
épocas e correntes narraram suas
memórias do cárcere. Mas, como
é de praxe, no Brasil, poucos não-escritores tiveram a sagacidade de
escrever (e publicar) sobre o que
se passa do lado de lá da muralha.
E o que tem do lado de lá? Um
mundo com leis próprias, outra
moeda, outra língua, em que a
justiça se faz com as mãos, e a injustiça parece ideologicamente
planejada, um mundo que o Brasil despreza, tranca e, se pudesse,
jogava a chave fora. Porque é na
cadeia que as contradições de um
país ficam expostas. Nela está a
prova da falência de um Estado
incapaz de prover igualdade.
Neninho de Obaluaê foi uma
criança pobre de Santos. Foi preso injustamente. Sua história está
na autobiografia "Beco Sem Saída
- Eu Vivi no Carandiru", que a
editora Rosa dos Ventos lança hoje em São Paulo.
Curiosamente, o autor começa
narrando o livro como se falasse
de outra pessoa. Aos poucos, passa a ser o narrador negro que revela que as famílias brancas do
bairro moravam melhores que as
negras, e que se eram vistos casais
mistos, a mulher era a negra.
Para o autor, que foi militante
do movimento negro e, às vezes,
chega a usar a expressão "afro-brasileiro", o preconceito racial é
elemento que impõe transformações também nas relações entre
os mais pobres. Ele abre o pacote
dos tabus da sociedade brasileira,
como o racismo escamoteado,
mas se trai com frases preconceituosas, como "o menino, mais
uma bichinha do pedaço".
O autor tem motivos para expor
sua agressividade. Em 1973, começou seu calvário nas prisões;
foi acusado de ser cúmplice de
um assalto e condenado à revelia.
Foram, ao todo, 14 anos de reclusão, em diferentes lugares. Seu
testemunho serve para apontar as
falhas do sistema.
Lembra que, no sistema carcerário, nem sempre o que é lei é
cumprido; apesar de um preso ter
direito à pena reduzida se trabalhar, quase "nunca dão atestado".
Um novo código se estabelece à
vista do leitor. "Bonde" é o caminhão que transporta presos, "boi"
é o banheiro da cela, "robô" é o
dedo-duro, "tirar cadeia" é cumprir pena e "anibãs" são policiais.
As cenas de espancamento, os
códigos de sobrevivência, o abandono dos que têm a pena vencida
são narrados com a raiva de alguém que vê um labirinto, um beco sem saída na vida dos presos. É
um livro que arde nas mãos.
Avaliação:
Livro: Beco Sem Saída - Eu Vivi no
Carandiru
Autor: Neninho de Obaluaê
Editora: Rosa dos Tempos (tel. 0/xx/21/
585-2000)
Quanto: R$ 20 (224 págs.)
Lançamento: hoje, às 18h
Onde: auditório da OAB (pça. da Sé, 385,
tel. 0/xx/11/224-1978)
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