São Paulo, Terça-feira, 30 de Novembro de 1999


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LITERATURA
"Beco" aponta falhas do cárcere

MARCELO RUBENS PAIVA
especial para a Folha

Plínio Marcos já cantou a tensão e a solidariedade dos que vêem o sol quadrado, os presidiários. Mas nunca foi um deles (conseguia, como poucos, enxergar dentro de quem não era). Drauzio Varella há anos trabalha na prisão. Seu "Estação Carandiru" é um dos poucos livros que explicam a autogestão de um presídio.
Presos políticos de diversas épocas e correntes narraram suas memórias do cárcere. Mas, como é de praxe, no Brasil, poucos não-escritores tiveram a sagacidade de escrever (e publicar) sobre o que se passa do lado de lá da muralha.
E o que tem do lado de lá? Um mundo com leis próprias, outra moeda, outra língua, em que a justiça se faz com as mãos, e a injustiça parece ideologicamente planejada, um mundo que o Brasil despreza, tranca e, se pudesse, jogava a chave fora. Porque é na cadeia que as contradições de um país ficam expostas. Nela está a prova da falência de um Estado incapaz de prover igualdade.
Neninho de Obaluaê foi uma criança pobre de Santos. Foi preso injustamente. Sua história está na autobiografia "Beco Sem Saída - Eu Vivi no Carandiru", que a editora Rosa dos Ventos lança hoje em São Paulo.
Curiosamente, o autor começa narrando o livro como se falasse de outra pessoa. Aos poucos, passa a ser o narrador negro que revela que as famílias brancas do bairro moravam melhores que as negras, e que se eram vistos casais mistos, a mulher era a negra.
Para o autor, que foi militante do movimento negro e, às vezes, chega a usar a expressão "afro-brasileiro", o preconceito racial é elemento que impõe transformações também nas relações entre os mais pobres. Ele abre o pacote dos tabus da sociedade brasileira, como o racismo escamoteado, mas se trai com frases preconceituosas, como "o menino, mais uma bichinha do pedaço".
O autor tem motivos para expor sua agressividade. Em 1973, começou seu calvário nas prisões; foi acusado de ser cúmplice de um assalto e condenado à revelia. Foram, ao todo, 14 anos de reclusão, em diferentes lugares. Seu testemunho serve para apontar as falhas do sistema.
Lembra que, no sistema carcerário, nem sempre o que é lei é cumprido; apesar de um preso ter direito à pena reduzida se trabalhar, quase "nunca dão atestado".
Um novo código se estabelece à vista do leitor. "Bonde" é o caminhão que transporta presos, "boi" é o banheiro da cela, "robô" é o dedo-duro, "tirar cadeia" é cumprir pena e "anibãs" são policiais.
As cenas de espancamento, os códigos de sobrevivência, o abandono dos que têm a pena vencida são narrados com a raiva de alguém que vê um labirinto, um beco sem saída na vida dos presos. É um livro que arde nas mãos.


Avaliação:    



Livro: Beco Sem Saída - Eu Vivi no Carandiru Autor: Neninho de Obaluaê Editora: Rosa dos Tempos (tel. 0/xx/21/ 585-2000) Quanto: R$ 20 (224 págs.) Lançamento: hoje, às 18h Onde: auditório da OAB (pça. da Sé, 385, tel. 0/xx/11/224-1978)


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