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Artista gera complicação conceitual
Para diretor de museu com obras do ex-interno, "Mostra do Redescobrimento" prejudicou leitura de seus trabalhos
Ex-marinheiro, ex-ajudante geral e praticante de boxe, Bispo do Rosário morreu em colônia psiquiátrica; foi considerado esquizofrênico
DO ENVIADO ESPECIAL AO RIO
Apesar de estar livre de uma
instituição psiquiátrica há 17
anos, desde sua própria morte,
Arthur Bispo do Rosário ainda
luta por libertar sua obra da rigidez dos conceitos psicanalíticos para que seja vista simplesmente como arte. Um dos motivos dessa leitura "equivocada", segundo Ricardo de Aquino, foi a "Mostra do Redescobrimento", em 2000, quando
os trabalhos de Bispo foram
exibidos no módulo "Imagens
do Inconsciente".
"Se naquela época eu fosse
diretor, não teria permitido
que ele participasse da mostra,
pois isso reduziu seu trabalho.
Sua produção não foi vista como arte, mas apenas "imagens".
Descobri depois que o próprio
Mário Pedrosa, que inspirou a
mostra, chamaria esse tipo de
produção de "arte virgem", o
que já seria mais adequado",
conta Aquino.
De certa forma, essa complicação conceitual tem relação
com a psiquiatra Nise da Silveira (1905-1999), que criou o Museu de Imagens do Inconsciente a partir dos ateliês de pintura
e de modelagem da Seção de
Terapêutica Ocupacional, em
1946, no Centro Psiquiátrico
Pedro 2º, no Rio. "Ao que consta, a doutora Nise nunca conheceu o Bispo. O trabalho dela consistia em arte-terapia, já o Bispo não era
tratado pela psiquiatria.
Dizia que criava pois "era
minha obrigação'", explica Aquino.
Arthur Bispo do Rosário
nasceu em Japaratuba (Sergipe) e seguiu a carreira na Marinha de 1925 a 1933, tempo que
também praticou boxe, sendo
excluído da corporação por indisciplina e "incapacidade moral". No Rio, passou a fazer serviços gerais, tendo como patrão
mais duradouro o advogado já
morto Humberto Magalhães
Leone, em Botafogo. Em dezembro de 1938, Bispo foi encaminhado para o Hospital Nacional dos Alienados, onde foi
diagnosticado como esquizofrênico paranóide e transferido, no mês seguinte, para a Colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá.
Nos próximos 20 anos, ele alternou temporadas na instituição com trabalhos esparsos fora dela, a mais duradoura na clínica pediátrica Amiu, em Botafogo, onde, voluntariamente,
isolado num quartinho do sótão, produziu boa parte de sua
obra. Em 1964, com dois caminhões de mudança, ele retornou à Colônia Juliano Moreira,
para nunca mais sair. "Acredito
que ele se internou para criar e
ter condições de preservar sua
obra", diz Aquino.
Com tal percurso, o que faz
Bispo ser considerado artista
contemporâneo? "Hoje, tem sido uma "tendência" fazer crítica
institucional. Ora, Bispo foi
institucionalizado duas vezes: pela instituição psiquiátrica e pela instituição artística. É,
não obstante, um criador que
fala de dentro da instituição e
trabalhou em paralelo com um
Duchamp. Bispo é um artista
deleuzeano que inventou uma
saúde para si próprio, resistindo à asfixia da clausura", diz à
Folha a curadora da 27ª Bienal
de São Paulo, Lisette Lagnado.
Numa sala embaixo onde
funciona o Museu Arthur Bispo
do Rosário, que tem uma programação de arte contemporânea e não apresenta apenas
obras do homenageado da instituição, vive Clóvis, outro artista com características próximas às de Bispo, pois realiza
seus trabalhos com materiais
reciclados, agrupando-os de
forma obsessiva.
Em seu quarto, por exemplo,
uma televisão está ligada, mas
ela serve mais como um rádio,
já que sua tela está pintada. Segundo Aquino, Clóvis -que
participou junto com Lívia Flores da 26ª Bienal de São Paulo,
chegou a ser convidado a tomar
parte da Documenta de Kassel,
em 2007. Assim, como Bispo,
que evitava expor suas obras
em público, Clóvis, fugindo das
restrições institucionais, apenas comenta: "Isso é trama deles aí, eu não sei de nada".
(FCy)
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