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Crítica/"A Vida dos Outros"
Sociedade do espetáculo dá atualidade a filme
DO CRÍTICO DA FOLHA
Fazer uso de uma história verdadeira (biográfica ou de época) como
tema de uma ficção é uma fórmula garantida para produzir
aquele típico filme ganhador de
Oscar: correto e enfadonho.
O esquema foi usado pelo
alemão Florian Henckel von
Donnersmarck em "A Vida dos
Outros" e saiu da última cerimônia de entrega do Oscar com
o seu (de estrangeiro) nas
mãos. Mas o filme alcança um
resultado muito mais interessante do que os que receberam
a premiação nos últimos anos.
Autor também do roteiro,
Von Donnersmarck realizou
um profundo trabalho de pesquisa para reconstituir os últimos anos de atuação da Stasi, a
polícia política do regime comunista da antiga Alemanha
Oriental. Esse tipo de investimento (em verossimilhança,
em direção de arte) rende uma
inequívoca qualidade de acabamento a "A Vida...". A vantagem
é que o diretor não se contenta
em fazer só um filme de qualidade. E nem se perde em denunciar os abusos de uma época e de um regime, como se fosse um aluno de Costa-Gavras.
Conceito
Há um conceito de espetáculo que sustenta tanto a trama
quanto a encenação de "A Vida..." e é ela que torna o filme
atraente e contemporâneo.
A trama tem como centro um
casal, um dramaturgo e uma
atriz. Ela atrai a cobiça de um
ministro, que lança contra ele o
arsenal de arapongas do Estado
com o objetivo de detectar alguma atividade contra-revolucionária e eliminar o concorrente. Sua paixão é despertada
enquanto é um espectador na
platéia e ela atua no palco.
Como pivô da armadilha, encontra-se o capitão Wiesler,
exímio espião, que monta um
aparato de escuta no sótão do
prédio onde o casal habita, registrando seu cotidiano, diálogos, brigas e embates amorosos. Enquanto o casal vive o drama, Wiesler é apenas o espectador solitário desta cena.
Já a encenação recorre com
maestria ao princípio clássico
dos dois espaços, paralelos e
complementares, nos desdobramentos do drama. E onde
quer que estejam, seus personagens seguem à risca a distribuição de papéis entre palco e
platéia, entre observados e observadores. O diretor domina
plenamente os mecanismos do
thriller elegante, com óbvia
inspiração em Hitchcock.
O conceito de espetáculo
aproxima-o de "Adeus, Lênin",
outro filme alemão de grande
sucesso recente e que também
investia no uso da história. Em
ambos, situados antes e depois
da queda do Muro de Berlim, a
lei da sobrevivência exige um
esforço de encenação.
A Berlim comunista era cenário construído para manter
viva a mãe em "Adeus, Lênin".
Em "A Vida...", para não ser tragado pela lógica totalitária, é
preciso adotar os procedimentos da ficção (fingir, enganar).
Em ambos, a idéia do artifício
é devolvida para o núcleo da vida pública e de sua necessidade
do espetáculo. E ambos são filmes que retratam outra época,
mas que falam mais diretamente a esta na qual vivemos.
(CSC)
A VIDA DOS OUTROS
Direção: Florian Henckel von
Donnersmarck
Produção: Alemanha, 2006
Com: Martina Gedeck, Ulrich Mühe
Onde: a partir de hoje nos cines Unibanco Arteplex, iG e circuito
Avaliação: ótimo
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