São Paulo, domingo, 30 de novembro de 2008

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Mônica Bergamo

bergamo@folhasp.com.br

Fotos Vania Toledo
Em 1969, a atriz Marília Pêra encenou a peça "Fala Baixo Senão Eu Grito", sua primeira produção teatral

Teatro em Revista

Saudades do Gigetto, dos camarins que pareciam suas próprias casas e do teatro cheio: estrelas dos palcos brasileiros lembram de como era a vida na época em que suas cenas foram congeladas pelas lentes de Vania Toledo, em fotos que serão lançadas, em 2009, no livro "Palco Paulistano"

Quase 40 anos depois de começar a fotografar, Vania Toledo decidiu que era hora de defender sua "tese" naquele que considera o seu curso universitário de fotografia, o mundo do teatro. Reuniu boa parte dos registros feitos no início da carreira -quando a idéia de ser fotógrafa profissional ainda nem era, de fato, uma escolha- e transformou em um livro a ser lançado no início de 2009, o "Palco Paulistano". "Eu me fiz nesse meio, fotografando peças de amigos por puro prazer.
Foi por causa do teatro que melhorei meu olhar, minha luz e minha técnica de revelação", diz ela. Com sua seleção, a fotógrafa faz, de uma só vez, duas viagens no tempo. Uma, a seu processo de amadurecimento, já que teve a ousadia de publicar seus "erros e acertos, porque é assim que a gente aprende". A segunda, à história do teatro paulistano nos últimos 30 anos. A coluna enviou as fotos de Vania a alguns de seus personagens para que eles relembrassem como eram suas vidas no momento em que as cenas foram congeladas pela câmera da fotógrafa.

 


Era um mundinho muito menor que o de hoje, diz Vania. O ponto de encontro de todos os artistas, diretores, produtores, era invariavelmente os restaurantes Gigetto e Piolim, na Bela Vista. "Todo mundo terminava o espetáculo e ia para um ou para o outro, dependendo de quanto tinha no bolso. Era ali que surgiam os convites para as peças, os filmes na Boca do Lixo e os comerciais. Hoje, as mesmas pessoas se encontram na ponte aérea", diz Ney Latorraca, que, no livro, aparece na montagem de 1973 de "Bodas de Sangue", no teatro Itália. "O Projac [estúdio da TV Globo no Rio] virou o nosso Gigetto", completa Marília Pêra, retratada em 1969, no teatro Aliança Francesa, em "Fala Baixo Senão Eu Grito". Ali, contracenou com Paulo Villaça, com quem viria a se casar.
 


"Foi a primeira vez que consegui juntar um dinheirinho e produzir uma peça", lembra Marília. Na época com 26 anos e um filho de oito, o hoje ator Ricardo Graça Mello, ela teve de se esforçar para convencer o público de que poderia fazer uma solteirona, num texto que falava sobre liberdade sexual em plena ditadura. "Era uma peça muito provocativa, que foi retalhada e interrompida várias vezes pela censura", diz. "Precisávamos ser criativos para falarmos o que queríamos, mas ainda assim conseguíamos levar as pessoas à reflexão, à atitude", afirma José Wilker, que em 1970 só encenou "O Arquiteto e o Imperador da Assíria", de Fernando Arrabal, ao lado do falecido Rubens Corrêa, depois da intercessão pessoal do filho de um censor.
 


"Era um tempo em que se fazia teatro. Hoje se faz algo parecido com isso. As pessoas vão em busca do que a TV já ofereceu. Querem distração. É o que fazem na frente da TV. Olham e não pensam. E a gente tem se rendido a isso", diz Wilker, que está em cartaz no teatro Vivo com "A Cabra ou Quem É Sylvia". Ele lembra que recentemente quase interrompeu o espetáculo por causa de uma pessoa que não parava de mexer no saquinho de pipoca. "Imagina se alguém fazia isso antigamente. As pessoas evitavam ir ao teatro resfriadas para não espirrar durante a peça!"
 


"Nos anos 70, o teatro era mais artesanal e as coisas não custavam tão caro", diz Marília Pêra. A TV trouxe "outro padrão visual, que encareceu tudo". Naquele tempo "fazer teatro não era a mesma coisa que fazer evento", segundo a atriz Irene Ravache, que no livro aparece na montagem de 1977 de "Os Filhos de Kennedy", no extinto teatro 13 de Maio. "Você podia transformar o camarim na sua casa durante o período em que estivesse em cartaz, porque não tinha três, quatro peças ao mesmo tempo." Os custos eram menores, os ingressos, mais baratos. E o público, maior e mais fiel.
 


Regina Duarte lembra que "as pessoas viviam de teatro. Lembro do pessoal do TBC (Teatro Brasileiro de Comédia), que vivia disso. Não ficaram ricos, mas tinham uma vida digna, construíram suas casas. Hoje não dá pra fazer isso. Hoje você consegue ficar dois, três meses com a peça em cartaz quando consegue patrocínio porque não agüenta manter o espetáculo por causa dos custos. É uma cadeia que precisa ser revista. Antes eu nunca fazia peças que ficavam menos de dois anos em cartaz. Com "Santo Inquérito" [peça encenada em 1978 e retratada por Vania], rodei o Brasil todo. Fiz Belém, Manaus, Goiânia, Pelotas, Porto Alegre, Brasília. A gente já teve muito público. Tinha peça de terça a domingo. Hoje você tem espetáculos só de sexta a domingo. Os que firam muito tempo em cartaz é porque viraram fenômeno". José Wilker diz que "os espetáculos estão confinados a três dias por semana, dias alternativos e orçamentos limitados aos departamentos de marketing", que decidem onde, como, quando e quanto investir recursos por meio da Lei Rouanet.
 

A meia-entrada também está entalada na garganta dos atores. "O que antes era uma gentileza que se fazia para tornar o teatro mais acessível com as temporadas populares ou com os ingressos mais baratos de terça e quarta, hoje se inverteu e todo mundo quer pagar meia", diz Wilker. "Já cheguei a fazer peça só com dez inteiras na platéia. Não dá para manter o espetáculo assim", reforça Regina. Com saudade dos tempos em que "éramos felizes e não sabíamos", Ney Latorraca acredita que falta incentivo do governo para educar o público para que goste de teatro. "Eu tinha isso na escola", diz.


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