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CINEMA
Eduardo Coutinho exibe para moradores "Babilônia 2000", documentário filmado no morro no réveillon passado
Favela da Babilônia vê seu feliz ano velho
DA REPORTAGEM LOCAL
"Um projeto de risco: pode dar
um curta, um média, um longa ou
nada." Com essa advertência, o
documentarista Eduardo Coutinho pediu patrocínio para realizar "Babilônia 2000", que tem sua
pré-estréia amanhã, às 19h30, no
Rio, no local onde foi filmado
-as favelas de Babilônia e Chapéu Mangueira, em Copacabana.
Com outras quatro equipes,
Coutinho registrou a expectativa
de moradores em relação à vida e
ao futuro nas 14 últimas horas do
dia 31 de dezembro de 1999. "De
um lado, escolhi uma prisão, o
presente absoluto -filmar num
dia, num lugar, sob esse tema. De
outro lado, a liberdade absoluta
-o que deu deu." E deu em 80
minutos de um documentário
que entra em cartaz nos cinemas
em São Paulo e no Rio no próximo dia 5.
"Babilônia 2000" foi financiado
pela Videofilmes, do também documentarista João Moreira Salles,
que aceitou a aposta inicial. Afinal
era difícil acreditar que uma iniciativa do autor de "Cabra Marcado para Morrer" e "Santo Forte"
pudesse dar em nada.
(SILVANA ARANTES)
Folha - Abordar o universo da favela, na virada do ano 2000, num
filme em que divide a autoria com
quatro equipes não lhe fez temer
que o resultado escapasse de sua
escrita cinematográfica e deslizasse para o clichê?
Eduardo Coutinho - O problema
é saber lidar com as pessoas, como ouvi-las. Os documentários
são feitos em geral para querer
pobreza, e as pessoas oferecem
pobreza. Eu acho simplesmente
que, estando aberto para as pessoas, isso não acontece. O fato de
dividir com outras equipes tira
um pouco a soberania do sujeito
que é o diretor. No fundo, o documentário é uma tentativa de sair
de mim, em busca dos outros. Só
me interessa o outro. Por isso filmo em favela. Não vou filmar um
cara como eu.
Folha - O sr. se define como um cineasta da interlocução e "Babilônia 2000" termina em seu momento máximo da interlocução, quando um personagem se dirige ao entrevistador com outra pergunta. Finalizá-lo assim foi uma escolha em
nome de quê?
Coutinho - Eu não podia terminar o filme com os fogos. Ideologicamente seria obsceno terminar
com "todo mundo é igual, unido
naquela festa". O acaso me favoreceu, porque uma equipe filmou
aquele diálogo extraordinário,
que repisa tudo o que está no filme -o estigma da favela. A gente
quer ser artista e inventar tudo,
mas nessa hora não tem de inventar nada. O final é abrupto, mas
foi pedido pela situação.
Folha - "O Primeiro Dia", longa de
ficção de Walter Salles e Daniela
Thomas, que se utiliza do mesmo
cenário no mesmo momento, faz o
retrato de um país triste, em que a
violência é inescapável. O que resulta do documentário "Babilônia
2000" como interpretação do país?
Coutinho - O que eu tento no filme é justamente não dar uma opinião. O filme é aberto para uma
reação como: "Que pitoresca é a
pobreza!". Não posso fazer nada.
As pessoas reagem de acordo com
seu passado, com seu mundo cultural, político, social.
Folha - Mas seu esforço como documentarista não é exercer o não-juízo em relação aos personagens e
à sua realidade nas filmagens para
que o resultado final obrigue necessariamente o espectador a um
posicionamento?
Coutinho - Isso é que eu acho bacana. Há pessoas que gostam do
que eu fiz e que pensam as coisas
no nível mais raso. Quando você
abre um filme, corre esse risco.
Mas é pior ainda quando você o
fecha ideológica ou dramaticamente. Minha idéia é o não-intencional máximo, sabendo que estou construindo um filme, portanto tenho uma intenção. Documentário é algo lacunar, imperfeito, precário por definição, porque
está aberto ao mundo. Se servir
para pensar o Brasil em cima do
filme, é maravilhoso. Mas não digo como pensar. Acho que o filme
tem o claro/escuro do Brasil.
Folha - É por essa rendição à realidade que o filme assume 1999/
2000 como a virada do milênio?
Coutinho - A visão popular no
mundo todo é que a virada do milênio foi ano passado. Escolhi o
milênio porque achei que as pessoas iam estar mais catalisadas
para pensar a si mesmas e ao Brasil que num dia qualquer de um
ano qualquer. E estavam realmente.
Folha - "Babilônia 2000" foi feito
com câmeras digitais. Essa é uma
tendência irreversível?
Coutinho - Existe o digital dos ricos e o digital dos pobres. George
Lucas vai fazer um filme todo digital. Querem fazer salas que projetem digital para economizar nas
cópias, com a passagem de satélite. Falo no digital dos pobres, os
independentes. É uma possibilidade de filmar muito mais. E às
vezes é necessário filmar muito.
Além disso, tem o tamanho da câmera, a qualidade técnica. Então
cria-se uma possibilidade de fazer
filmes que, para um tipo de cinema, é extraordinária, para outros,
não importa. Visconti não vai filmar em digital. Mas, para o cinema que eu faço, passa a ser essencial. E isso vai dar 95% de merda,
como sempre, e 5% de coisa boa.
Vai haver uma moça no Piauí que
fará um filme que seria impossível
fazer em 16 mm. Mas é preciso lutar contra a facilidade do digital,
que é benéfica, mas enganosa.
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