São Paulo, sexta, 31 de janeiro de 1997.

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MÚSICA
Melômanos comemoram hoje 200 anos do nascimento do compositor de `Ave Maria' e da `Sinfonia Inacabada'
Franz Schubert reinventou o sentimento

JOÃO BATISTA NATALI
da Reportagem Local

O compositor austríaco Franz Schubert nasceu há exatamente 200 anos, a 31 de janeiro de 1797, nas proximidades de Viena.
Viveria apenas 31 anos. Mas deixaria uma obra de incrível extensão -603 canções, sete missas, 130 obras para vozes, quartetos, quintetos, nove sinfonias e uma dezena de óperas- e passaria para a história como o primeiro grande compositor do romantismo.
Schubert é um exemplo de notoriedade póstuma. Não conseguiu se impor como um dos grandes, num período marcado pela reconhecida genialidade de Ludwig van Beethoven (1770-1827).
Só ganharia seu merecido lugar no establishment musical germânico pelas mãos de maestros e compositores, sobretudo Felix Mendelssohn (1809-1847), que souberam apreciar as inovações harmônicas com que ele reinventou algo bastante prezado no século 19: o sentimento.
São de sua autoria a ``Oitava Sinfonia - Inacabada'', a sonata ``Arpeggione'' (piano e violoncelo), o quarteto ``A Morte e a Donzela'', o quinteto ``A Truta'' e peças para piano como as duas séries com oito ``Improvisos''.
Mas são seus ciclos de canções (lieder) que o tornariam bastante popular no século 19. Numa época em que a música era também uma prática doméstica, bastava um piano e vontade de cantar para que o melômano, em família, engrossasse a multidão esparsa de schubertianos que ainda hoje existe na Europa. O compositor musicou as palavras de todos os grandes poetas de seu tempo.
Em vida, Franz Schubert foi sobretudo um frustrado, como ele próprio se definiu em carta escrita aos 19 anos a um amigo. Chegou a desfrutar de pequena notoriedade nos salões musicais vienenses. Mas foi rejeitado pelas casas de ópera e pela corte dos Habsburgo.
Seus insucessos profissionais são quase tão numerosos quanto as partituras que integram o catálogo de todas as suas obras.
Não conseguiu se tornar diretor de um conservatório em Liubliana, nem seduzir Goethe sobre o valor de seus lieder.
Jamais assistiu a uma montagem de óperas suas, como ``Alfonso und Estrella''.
Não se tornou, conforme desejava, o mestre-de-capela-adjunto da corte de Viena, quando se aposentou seu ex-professor e titular do posto, Antonio Salieri.
Schubert conviveu, conformista, com a pobreza. Boa parte de sua obra foi escrita sem que ele tivesse em casa um piano para conferir no teclado os sons que grafava nos pentagramas.
Para completar um cenário existencial que comoveria seus hagiógrafos, ele ainda contraiu sífilis e passou os últimos anos de sua vida com a saúde debilitada.
São ingredientes que se aproximam com perfeição da imagem do ``gênio pobre e incompreendido, que a posteridade resgatou''.
Ingredientes que sobretudo contrastam com as homenagens que ele receberá agora, em 1997. Só na Áustria, um levantamento sumário, feito por uma revista especializada, relaciona 94 exposições, montagens líricas ou recitais a ele dedicados.

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