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São Paulo, sexta-feira, 31 de janeiro de 2003

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CINEMA/ESTRÉIAS

"SAMSARA"

Filme conta a história de um monge seduzido pelos desejos

Beleza plástica particulariza drama indiano minimalista

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

"Samsara" narra a história do monge Tashi, que depois de três anos, três meses e três dias de meditação solitária descobre que, ao contrário do que poderia esperar, não está no caminho do nirvana.
O mundo dos desejos o chama. Ou, mais precisamente, a bela Pema, a quem vê certo dia e que, desde então, frequenta seus sonhos. Tashi argumenta com os demais monges que, se até o Buda em pessoa conheceu o mundo antes de buscar a iluminação, por que outro deveria ser o seu caminho? Seguem-se as aventuras mundanas de Tashi.
Como se vê, o que oferece como história este filme indiano não é muita coisa. Mas como nem sempre o que se oferece no cinema vem da história, convém prestar atenção a outros valores.
Ou antes, é justamente por ser a história rala que o realizador Pan Nalin pode se deter em certos aspectos plásticos capazes de reter a atenção do espectador. Nalin foi, antes de cineasta, um estudante de artes -aspecto a não negligenciar. E, a acreditar na biografia do diretor publicada pelo site "The Internet Movie Database" (www.imdb.com), depois de uma viagem à Europa, subiu ao Himalaia, à maneira de seus monges, em busca de luz espiritual.
Esse último item -aliado ao fato de ser indiano- lhe dá uma intimidade com aquilo que descreve infinitamente superior à manifestada pelos inúmeros realizadores (inclusive Martin Scorsese e Bernardo Bertolucci) que andaram por lá e ajudaram a transformar essa parte do mundo em duvidosa moda cinematográfica.
Isso, além de um sentido plástico privilegiado e de uma atenção notável aos detalhes -no que se assemelha a Satiyajit Ray, o mais ilustre realizador indiano-, particulariza "Samsara", que parece seguir um princípio minimalista, jogando, admiravelmente, com a percepção do espectador diante das imagens.
Como exemplo, o magnífico uso que faz de uma trouxinha que Pema dá a Tashi inúmeras vezes, como sinal de boa viagem, mas que pode adquirir significados bem diferentes, conforme o momento em que lhe é entregue.
Ou ainda uns tantos panos coloridos, que se introduzem na paisagem quase monocromática, como que nos chamando a participar do desejo de Tashi. Ou, mais ainda, os desenhos que um monge mostra a Tashi representando o ato sexual, mas que, conforme a incidência de luz sobre eles, podem representar os conflitos e as dores que reserva a vida.
Esse tipo de notação, a partir das quais a trajetória do monge e o conflito entre a carne e o espírito se transmitem a nós, ajudam o espectador a atravessar com interesse e sem aborrecimento as duas horas e meia de "Samsara". É bem mais do que nada.


Samsara
Idem
   
Direção: Pan Nalin
Produção: Alemanha/Índia, 2001
Com: Shawn Ku, Christy Chung e Neelesha Bavora
Quando: a partir de hoje nos cines Cinesesc, Espaço Unibanco 1, Lumière 1



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