São Paulo, sábado, 31 de janeiro de 2004

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"OS CIENTISTAS DE HITLER"

Herói Heisenberg perde seu posto

FREE-LANCE PARA A FOLHA

Terminada a Segunda Guerra Mundial, dez dos principais cientistas alemães foram mantidos sob guarda britânica em uma casa perto de Cambridge, conhecida como Farm Hall. A maioria havia realizado, direta ou indiretamente, pesquisas ligadas à energia nuclear sob o governo nazista. Entre eles estava Werner Heisenberg (1901-1975), vencedor do Prêmio Nobel de 1932 por seus estudos com mecânica quântica.
Essa "prisão domiciliar" tinha o objetivo de descobrir até que ponto os alemães estiveram próximos de produzir a bomba atômica.
"Ali estavam os maiores físicos da Alemanha (...) discutindo entre si, sem saberem que estavam sendo gravados", escreve o historiador inglês John Cornwell no livro "Os Cientistas de Hitler -Ciência, Guerra e o Pacto com o Demônio", lançado no Brasil.
Seu livro trata de quase tudo o que foi feito na ciência, principalmente na ciência alemã, do período entreguerras até 1945. Há as pesquisas de foguetes de Werner von Braun, os estudos médicos desumanos com prisioneiros dos campos de concentração, o desenvolvimento de gases venenosos, a perseguição aos cientistas judeus e o esforço americano de desenvolver a bomba.
No entanto, seu momento mais contundente se fixa no papel de Heisenberg em suas pesquisas nucleares. Após o final da guerra, o cientista ajudou a criar ao redor de si uma imagem de herói: ele e outros pesquisadores davam a entender que souberam fabricar uma bomba, mas fizeram o possível para atrasar sua produção.
Cornwell afirma o contrário. Segundo ele, as gravações, mantidas em segredo por 50 anos, dão mostras suficientes de que o cientista alemão só não criara a bomba porque não sabia como fazê-la; apesar de ser um excelente teórico, Heisenberg não soube reunir esforços práticos para coordenar a iniciativa de sua produção.
"Era visivelmente a pessoa errada para dirigir o programa da bomba atômica nazista, e sua liderança morna, fragmentada e distraída foi quase sem dúvida um fator importante na ausência de progresso", escreve Cornwell. "Porém, o que sabemos com certeza, também, é que ele apoiou os objetivos de guerra de Hitler."
Segundo Cornwell, Heisenberg "se tornara moralmente anestesiado para as atrocidades do regime". O mesmo aconteceu com outros. O engenheiro Werner von Braun (1912-1977), que estudou a balística de mísseis e, após a guerra, ajudou a desenvolver para os EUA os foguetes que levaram o homem à Lua, apoiava o uso de trabalho escravo no centro de desenvolvimento de foguetes.
O livro de Cornwell, muito abrangente, dedica suas páginas finais à ciência que veio após a Segunda Guerra e fala da responsabilidade dos cientistas atuais, principalmente com relação às pesquisas de armas nucleares.
Ele cita o caso dos EUA, em que o governo de George W. Bush voltou a investir em sistemas de defesa e em uma nova geração de bombas atômicas, e completa: "Os cientistas tendem a abdicar da responsabilidade, supondo que seus governos democraticamente eleitos sempre sabem o que é melhor. Essa suposição é ingênua ao extremo". (MF)


Os Cientistas de Hitler
   
Autor: John Cornwell
Editora: Imago
Quanto: R$ 60 (456 págs.)



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