São Paulo, sábado, 31 de janeiro de 1998

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Livro de poesias do pintor será relançado em agosto

ALEXANDRE LOURES
das Regionais

O Brasil parece mesmo disposto a redescobrir Portinari. Depois da exposição em São Paulo e outras programadas para Belo Horizonte, com réplicas, e para o Rio de Janeiro, o pintor de Brodósqui pode ter seu livro de poesias relançado.
"O Menino e o Povoado" deve voltar às livrarias em agosto deste ano com o apoio da Fundação João Pinheiro, de Minas Gerais.
O anúncio foi feito por João Cândido Portinari, filho do pintor paulista e diretor do Projeto Portinari, órgão responsável pela localização, catalogação e levantamento da obra do artista.
"Queríamos fazer um projeto alternativo para levar a exposição de Portinari a Belo Horizonte e, daí, surgiu a idéia do Gilberto Martins (presidente da Fundação João Pinheiro) de reeditar o livro", diz.
O livro, originalmente, é uma seleção de poesias de Portinari feita pelo poeta Manuel Bandeira e publicado em 65, quase no final da vida do pintor.
Segundo João Candido, o acerto foi feito apenas verbalmente. "O martelo foi batido no 'estilo bicheiro', só na palavra", diz.
A reedição de "O Menino..." terá um atrativo a mais: será ilustrado com obras do artista paulista.
A primeira edição da compilação não tem ilustrações. Portinari teria se negado a usar seu prestígio como pintor para promover o poeta.
"Essa postura revela toda a ética que Portinari tinha em relação à sua arte, mas, agora, a razão da oposição não existe mais. O que prevalece é o interesse histórico", afirma João Candido.
Os poemas contidos no livro foram criados no final da década de 50 e no início da década de 60.
Diário
A inserção de Portinari na literatura, porém, não significou o abandono das artes plásticas.
No caso do pintor de Brodósqui, as duas artes se comunicavam e se completavam.
"A poesia de Portinari era uma espécie de expressão verbal da obra plástica", diz João Candido.
Em um trecho do livro ele diz: "Quanta coisa eu contaria se eu soubesse da língua o que sei das cores".
Em outro trecho ele recorre a um tema frequente em suas telas, o caminho dos imigrantes: "Saí da água do mar e nasci no cafezal da terra roxa".
O método de trabalho é uma prova da convivência harmoniosa que as duas linguagens encontravam em Portinari.
Ele pintava quando amanhecia até não ter mais luz natural. Antônio Callado dizia que ele fazia com a pintura o que os pais dele faziam com a lavoura de café.
"Ele era um homem para quem o pincel era uma enxada com a qual ele lavrava sua plantação de quadros de sol a sol", dizia Callado.
No fim da vida, quando acabava o dia, ele se dedicava à poesia. Aquilo correspondia a uma necessidade interna de resgatar a infância em Brodósqui e também marca uma grande melancolia na vida do pintor, a partir dos anos 50.
"Há um momento em que a pintura de Portinari fica mais clara. É justamente quando ele começa a fazer poesia. Ele trabalha praticamente com rosas, azuis e amarelos, três cores primárias, e começa a fazer uma divisão de espaço diferente, tornando suas telas mais claras e iluminadas", diz Cristina Penna, curadora da exposição do Masp.
Essa fase teria sido influenciada pelo pintor francês Jacques Vignon, irmão do poeta Francois Vignon.
Outro motivo que teria "empurrado" Portinari para a literatura é o desprezo da crítica e da opinião pública, no final dos anos 50, pelos figurativos, em razão da chegada da arte abstrata.



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