São Paulo, quarta-feira, 31 de março de 2004

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A coreógrafa brasileira Maria Clara Villa-Lobos conquista europeus com trilogia sobre sociedade de consumo

A chave dos tamanhos

KATIA CALSAVARA
DA REDAÇÃO

Em um domingo qualquer, três jovens "roomates" zanzam pela casa em busca do que fazer. Tédio no ar. Que tal uma bebida? Musiquinha? Parece difícil soprar para longe a nuvem do marasmo.
Toca o celular, um evento que soa pouco surpreendente. A ponto de os três começarem a criar coreografias ao som da "Primavera", de Vivaldi [em versão "ringtone"], em vez de atender. Talvez em busca de algo mais divertido.
Assim começa "M - An Average Piece" ("M - Uma Peça Mediana"), espetáculo de dança-teatro criado pela bailarina brasileira Maria Clara Villa-Lobos, 31, que ganhou os palcos, o público e a crítica de revistas e jornais europeus no mês passado. Tamanho "boom" rendeu por aqui um eco do tipo "quem será essa moça?".
A brasiliense Maria Clara Villa-Lobos vive na Bélgica há nove anos. Filha de diplomatas, deu seus passos alternados entre Brasil, França, Alemanha, Suíça e EUA. Irmã de Dado Villa-Lobos (ex-Legião Urbana), fez balé clássico com Gisele Santoro e Norma Lilia, em Brasília. Aos 16, foi para Berlim estudar na Staatliche Ballettschule, onde ficou por três anos. Após trabalhar em parceria com coreógrafos como Rui Horta e Cristina Caprioli, ganhou uma bolsa na P.A.R.T.S., escola belga dirigida pela coreógrafa Anne Teresa de Keersmaeker. Foi lá que Villa-Lobos começou a desenvolver a trilogia "XL", "XS" e "M".
"Eu sentia uma necessidade de falar sobre o sistema em que a dança se encaixa. As pessoas não costumam pensar sobre o que está por trás, a produção, o pensamento. Esses trabalhos [a trilogia] são, para mim, uma forma de dizer que tudo está conectado", diz, por telefone, da Bélgica.
A produção em massa, a compulsão pela criação, a influência da propaganda e da mídia no cotidiano das pessoas faz da trilogia uma reflexão bem-humorada sobre a "usina do espetáculo" e, mais ainda, sobre como essa mesma mídia e os padrões ditados pela TV impõem comportamentos que reproduzem estereótipos.
"Aqui eu tenho a impressão de que as pessoas acabam de inventar uma peça e já querem fazer outra. Há algo compulsivo."
Os dois outros espetáculos que compõem a trilogia, "XL" e "XS", também refletem sobre as embalagens descartáveis criadas pela mídia. Em "M", os três bailarinos- Villa-Lobos, Denis Robert e Gaetan Bulourde- passam quase todo o tempo usando máscaras carnavalescas. Com um sorriso hipócrita e perpétuo, arrancam gargalhadas do público ao reproduzir anúncios da TV, telenovelas e comportamentos como o culto ao silicone e ao sexo por esporte. "Inspirei-me nos clipes da MTV e também na publicidade. Um dos pontos de partida de "M" era usar material pré-fabricado. Ser sexy e ter sex appeal virou uma nova forma de ditadura."
No momento em que os dois homens quase esgarçam as articulações da bailarina, ela exibe seu riso estático, quando pode estar morrendo de dor. "As máscaras escondem a realidade e mostram o superficial. Fazemos coisas às vezes extremas com o corpo, mas, como sempre, sorrimos. Estamos gostando ou não? Somos manipulados ou não?", cutuca.
O toque compulsivo dos celulares mesclado ao som de um aparelho de CDs defeituoso são a base de uma trilha sonora nada convencional, criada justamente para dar a idéia da repetição. Escrachados, alguns movimentos do trio lembram pegadas típicas de musicais da Broadway.
Para além da movimentação, "M" é um espetáculo que fica na fronteira entre a dança e o teatro. Com ironia e ares de comédia pastelão, os bailarinos-atores deixam no público a sensação de comercial descartável da vida real.


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