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A coreógrafa brasileira Maria Clara Villa-Lobos conquista europeus com trilogia sobre sociedade de consumo
A chave dos tamanhos
KATIA CALSAVARA
DA REDAÇÃO
Em um domingo qualquer, três
jovens "roomates" zanzam pela
casa em busca do que fazer. Tédio
no ar. Que tal uma bebida? Musiquinha? Parece difícil soprar para
longe a nuvem do marasmo.
Toca o celular, um evento que
soa pouco surpreendente. A ponto de os três começarem a criar
coreografias ao som da "Primavera", de Vivaldi [em versão "ringtone"], em vez de atender. Talvez
em busca de algo mais divertido.
Assim começa "M - An Average
Piece" ("M - Uma Peça Mediana"), espetáculo de dança-teatro
criado pela bailarina brasileira
Maria Clara Villa-Lobos, 31, que
ganhou os palcos, o público e a
crítica de revistas e jornais europeus no mês passado. Tamanho
"boom" rendeu por aqui um eco
do tipo "quem será essa moça?".
A brasiliense Maria Clara Villa-Lobos vive na Bélgica há nove
anos. Filha de diplomatas, deu
seus passos alternados entre Brasil, França, Alemanha, Suíça e
EUA. Irmã de Dado Villa-Lobos
(ex-Legião Urbana), fez balé clássico com Gisele Santoro e Norma
Lilia, em Brasília. Aos 16, foi para
Berlim estudar na Staatliche Ballettschule, onde ficou por três
anos. Após trabalhar em parceria
com coreógrafos como Rui Horta
e Cristina Caprioli, ganhou uma
bolsa na P.A.R.T.S., escola belga
dirigida pela coreógrafa Anne Teresa de Keersmaeker. Foi lá que
Villa-Lobos começou a desenvolver a trilogia "XL", "XS" e "M".
"Eu sentia uma necessidade de
falar sobre o sistema em que a
dança se encaixa. As pessoas não
costumam pensar sobre o que está por trás, a produção, o pensamento. Esses trabalhos [a trilogia]
são, para mim, uma forma de dizer que tudo está conectado", diz,
por telefone, da Bélgica.
A produção em massa, a compulsão pela criação, a influência
da propaganda e da mídia no cotidiano das pessoas faz da trilogia
uma reflexão bem-humorada sobre a "usina do espetáculo" e,
mais ainda, sobre como essa mesma mídia e os padrões ditados pela TV impõem comportamentos
que reproduzem estereótipos.
"Aqui eu tenho a impressão de
que as pessoas acabam de inventar uma peça e já querem fazer
outra. Há algo compulsivo."
Os dois outros espetáculos que
compõem a trilogia, "XL" e "XS",
também refletem sobre as embalagens descartáveis criadas pela
mídia. Em "M", os três bailarinos- Villa-Lobos, Denis Robert
e Gaetan Bulourde- passam
quase todo o tempo usando máscaras carnavalescas. Com um sorriso hipócrita e perpétuo, arrancam gargalhadas do público ao
reproduzir anúncios da TV, telenovelas e comportamentos como
o culto ao silicone e ao sexo por
esporte. "Inspirei-me nos clipes
da MTV e também na publicidade. Um dos pontos de partida de
"M" era usar material pré-fabricado. Ser sexy e ter sex appeal virou
uma nova forma de ditadura."
No momento em que os dois
homens quase esgarçam as articulações da bailarina, ela exibe
seu riso estático, quando pode estar morrendo de dor. "As máscaras escondem a realidade e mostram o superficial. Fazemos coisas
às vezes extremas com o corpo,
mas, como sempre, sorrimos. Estamos gostando ou não? Somos
manipulados ou não?", cutuca.
O toque compulsivo dos celulares mesclado ao som de um aparelho de CDs defeituoso são a base de uma trilha sonora nada convencional, criada justamente para
dar a idéia da repetição. Escrachados, alguns movimentos do trio
lembram pegadas típicas de musicais da Broadway.
Para além da movimentação,
"M" é um espetáculo que fica na
fronteira entre a dança e o teatro.
Com ironia e ares de comédia
pastelão, os bailarinos-atores deixam no público a sensação de comercial descartável da vida real.
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