|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TELEVISÃO
Ganhador do "Big Brother Brasil" de maior audiência, professor homossexual quer ser visto como intelectual
"A diferença venceu o preconceito", diz Jean
DANIEL CASTRO
COLUNISTA DA FOLHA
Primeiro homossexual assumido a ganhar o "reality show" "Big
Brother Brasil", da Globo, o professor universitário Jean Wyllys,
31, acredita que seu êxito foi uma
"vitória da diferença em geral".
"Só a comunidade GLS não me
garantiria no programa", afirma.
Ele quer ser reconhecido agora
como um intelectual. Pretende se
lançar como escritor "de massa",
fazer doutorado em antropologia
e investir em cultura. Noveleiro,
diz que trocaria seu prêmio de R$
1 milhão por uma vaga no time de
teledramaturgos da Globo.
Na manhã de ontem, depois de
passar a noite em claro em um hotel do Rio, Wyllys concedeu entrevista à Folha, por telefone.

Folha - Por que você ganhou? O
Brasil está mais tolerante?
Jean Wyllys - Existem muitos
brasileiros preconceituosos, não
só contra os gays, mas, por outro
lado, o brasileiro é muito cordial e
responde com o coração a situações de injustiça. No programa,
surgiu uma situação de injustiça
em que uma maioria achava que
era dona do jogo. Fui o alvo preferencial porque combinava diferença sexual e repertório cultural,
que também incomodava. Essa
situação fez com que o público
atravessasse a questão da orientação sexual e conhecesse o cidadão, meus valores, minha ética.
Folha - Você sabe que o público
gay se mobilizou para te manter no
programa, mas você conquistou
muito mais gente, certo?
Wyllys - Estou orgulhoso de ter
virado símbolo para o movimento gay, mas tenho consciência de
que só a comunidade GLS não me
garantiria lá. Foi preciso que eu
conquistasse um público mais
amplo. Foi uma vitória não só para a comunidade gay, mas para a
diferença em geral, para qualquer
oprimido, que esteja à margem.
Folha - Em algum momento você
sentiu que era um personagem?
Wyllys - Não, eu não estava fazendo um personagem, eu sou assim. Se você conversar com meus
alunos, saberá disso.
Folha - Teve um grupo de alunos
seus que entraram com processo
contra você por se sentirem perseguidos. Sabia disso?
Wyllys - Não. Mas se entraram,
não me espanta. Há muita gente
desonesta. Com o crescimento
das instituições privadas de ensino superior, tem aluno que acha
que está comprando um diploma
à prestação. Acha que a força da
grana pode dobrar um professor.
Folha - O que fará agora?
Wyllys - A ficha ainda está caindo. Não parei para pensar, mas tenho consciência de que nada será
como antes. Quero fazer coisas
boas com esse dinheiro, investir
em coisas produtivas para uma
coletividade, sem fazer caridade.
Quero também continuar escrevendo, tocar uma carreira literária. Não sei se darão muito crédito, porque os intelectuais torcem
muito o nariz para produto de
massa, para a indústria cultural.
Folha - Trocaria R$ 1 milhão por
uma vaga com autor da Globo?
Wyllys - Acho que trocaria [risos]. O sonho de qualquer escritor
é mobilizar uma massa. Não tenho esse preconceito de achar que
a literatura, o livro, tenha um status superior à teledramaturgia.
Folha - O que você já escreveu?
Wyllys - Tenho um livro de contos, "Aflitos", com 2.000 exemplares publicados. Tenho um romance incompleto e uma sinopse
de um livro. É um livro de contos,
uma brincadeira em cima daqueles romances "Sabrina", "Júlia" e
"Bianca", com essa ficção barata.
Folha - Toparia comandar um
programa gay na TV?
Wyllys - Por que não? Desde que
seja uma coisa séria, produtiva,
não uma avacalhação. Nunca me
imaginei apresentador de tevê.
Folha - Você não temia reação
contrária de intelectuais por participar de um "reality show"?
Wyllys - Eu queria desafinar o
coro dos contentes. Queria participar por ser professor universitário e por ser um telespectador crítico. Queria sair dessa análise blasé e antipática em relação aos produtos culturais, que em geral é o
tom da maioria dos intelectuais.
Só tinha uma coisa que não queria: sair na primeira semana.
Nunca pensei que fosse ganhar.
Folha - Do que sentiu mais falta?
Wyllys - De TV e de escrever.
Folha - A edição do programa
mostrou um afeto muito grande
entre você e Alan. Rolou algo mais?
Wyllys - Não. Senti por Alan
uma sincera amizade. Se tivesse
me interessado por ele, não teria
problema em dizer.
Folha - Quando foi que sentiu que
poderia ganhar?
Wyllys - Nunca. Tudo poderia
mudar em uma semana.
Folha - Qual foi o pior momento?
Wyllys - Quando fui para o paredão com Pink. E tive satisfação ao
indicar Rogério.
Folha - No primeiro paredão, declarar ser gay vítima de homofobia
não foi uma jogada de risco?
Wyllys - Não foi uma jogada. Falei aquilo muito honestamente.
Folha - E agora você é uma celebridade nacional...
Wyllys - Até o próximo "Big Brother". Essas coisas passam, esse
fulgor desaparece, a indústria cultural vive dessas "paixonites".
Eu sou a onda do momento, estou na moda agora. A única coisa
que peço a todos os santos é que
me dêem prudência para fazer o
melhor disso.
Texto Anterior: Artes: APCA faz escolhas tradicionais para melhores de 2004 Próximo Texto: "Big brothers" fazem maratona em veículos da Globo Índice
|