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Arnaldo Saccomani hoje orienta projetos de rhythm'n'blues, como o 1º CD de Hannah Lima
Caçador de sucessos (de Tim Maia a Tiririca)
Produtor paulista relembra sua trajetória, das gravadoras ao rádio, de Mutantes a Mamonas
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PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
Tubarão navegando no mar infestado das gravadoras, Arnaldo
Saccomani, 50, é bem menos famoso que os peixes que vem encontrando em sua rota por mais
de três décadas de atividade.
Que peixes? O produtor paulistano participou, desde o final dos
60, da construção do sucesso de
figuras pop tão díspares quanto
Tim Maia, Rita Lee, Ronnie Von,
Hyldon, Fábio Jr., Carrapicho,
Mamonas Assassinas, Tiririca...
Sua trajetória é a de quem viveu
de tudo na indústria, dos bastidores tropicalistas e da criação da
soul music nacional ao mundo
cão de Mamonas e Tiririca.
Exilado desse mercado na segunda metade dos 70, refugiou-se
no rádio, agindo para o sucesso de
emissoras vorazes como a Jovem
Pan -ainda assim, nega por onde andou a presença do jabá, o comércio clandestino do sucesso
entre gravadoras e rádios.
Hoje, participa de projeto da
paulista Abril Music, de transformação do rhythm'n'blues em gênero brasileiro, produzindo artistas como Benné e Hannah Lima
-uma planilha para usurpar a
hegemonia baiana do axé?
Sabedor dos trâmites, lança barbatanas de compositor sobre Fat
Family e Travessos, com quem
crava números um nas listas de
mais ouvidas. Em entrevista, revisa trajetória de farejador de talentos a caçador de sucessos.
Folha - Como você começou a lidar com música?
Arnaldo Saccomani - Comecei
tocando. Tinha uma banda cover
dos Beatles. Acompanhamos
uma artista que foi importante
por uns dois ou três anos, chamada De Kalafe. Foi a primeira cantora de protesto no Brasil, depois
se mudou para o México e chegou
a ser uma estrela lá. Comecei a
compor para ela músicas de protesto mesmo, bem agressivas.
Mas eu também fazia canções
mais populares e fui compor para
Ronnie Von. Fui me tornando
músico de estúdio, virei assistente
de produção de Manuel Barenbein, meu ídolo e professor. Estive
com ele em todos os trabalhos da
tropicália. Levava sanduíche, produzia, chamava táxi, puxava cabo,
dava palpite...
Sr. André Midani, o patrão, me
colocou para assessorar os Mutantes, também na tentativa de fazer da Rita Lee uma cantora solo.
Defendi desde o início que era a
hora dela. Estou resumindo e banalizando uma situação delicadíssima. Não era conversa de um minuto. Não lembro muito, mas
acho que isso começou a gerar
uma disputa de egos muito forte
na questão artística. Isso não acaba bem, nunca, ainda mais no
Brasil, que não tem todo esse profissionalismo -nos EUA há vários grupos em que ninguém é
amigo de ninguém, mas "vamos
ganhar essa grana".
Folha - O que era o disco que você
e o maestro tropicalista Damiano
Cozzella fizeram com Ronnie Von?
Saccomani - Cozzella é outro dos
meus ídolos. Para mim, foi o
maior músico concretista, com
Rogério Duprat -fizeram curso
de música eletrônica em Paris, em
51, anos à frente. Fez parte decisiva e marcante de todo o processo
tropicalista. Não me pergunte por
que não falam mais dele, me estranha muito. Virou funcionário
de orquestra, não sei onde está
hoje. Eu queria trabalhar com ele
e tinha um ídolo popular disposto
a tal loucura. Era Ronnie, entediado com o que vinha fazendo. Havia ganhado muito dinheiro, mas
estava de saco cheio.
Mas Ronnie nunca quis ser tropicalista, o que ele queria era ser
diferente do Roberto Carlos. Roberto continuou sendo bem popular, e Ronnie partiu para elitizar. Depois não trabalhei mais
com ele. Não estou falando que
quem trabalhou não fez certo,
mas ele se encaminhou para uma
coisa popular demais, na minha
opinião. Voltamos a trabalhar
juntos mais tarde, produzi "Cachoeira", um grande sucesso.
Folha - Como surgiu Tim Maia?
Saccomani - Na época, havia
duas grandes rádios AM, a Excelsior, mais roqueira, e a Difusora,
mais negra. Sempre comentávamos que a Difusora não tinha
produtos brasileiros para tocar.
Tim Maia entrou aí, cantando de
um modo diferente, mais americano um pouco. Já havia gravado
um compacto em inglês, e a idéia
de fazer em português era atender
um mercado com mídia.
Folha - Então foi uma maquinação de bastidores?
Saccomani - Foi. Não o talento
dele, mas a contratação foi. Vamos dizer que essa proposta de ter
alguém mais negro foi porque se
pretendia atingir mais a juventude e as classes mais pobres. Mas
também foi porque vimos que
Tim cantava muito. Fui encontrá-lo numa chácara lá no Embu, todo vestido de branco, com um
monte de crianças ao redor. Não
me esqueço da noite em que ele
gravou "Azul da Cor do Mar",
com Cassiano no estúdio. Gravou
de primeira, emocionante.
Apresentei "Primavera" e "Azul
da Cor do Mar" numa convenção
da Philips, que na época tinha
uma série de produtores. Todo
mundo foi contra, todo mundo
torceu o nariz. Seu Midani autorizou o lançamento, levamos o
compacto à Difusora. Demorou
uns dois meses para tocar. Hoje
todo mundo é pai do Tim Maia,
mas a história foi assim.
Depois, continuei um tempo na
Philips e participei de projetos populares como "Na Rua, na Chuva,
na Fazenda", de Hyldon. Nesse
meio caminho, fiz trilhas de novela da TV Tupi, como "Mulheres
de Areia" e "Beto Rockefeller",
que eram sucessos absurdos. Depois participei com Barenbein daquela bobagem dos artistas cantando em inglês. Era contra.
Dei um tempo fora do meio, fui
trabalhar numa construtora, até
ser chamado para trabalhar em
rádio. Estava numa derrocada
completa de grana, até que me
tornei um radialista, modéstia à
parte, de muito sucesso. Fiquei sete anos na Antena 1, depois fui para a Jovem Pan, mais seis anos.
Folha - Existia jabá?
Saccomani - Na época nem havia
promoção de rádio e gravadora.
Folha - Existe jabá?
Saccomani - Na minha experiência como radialista, desafio qualquer pessoa que diga que estive
envolvido com qualquer tipo de
negociação nas rádios em que trabalhei. De quando saí da rádio até
hoje, muita coisa mudou. Hoje as
gravadoras estão fazendo promoções de marketing com as rádios,
e as rádios estão abertas.
Folha - Na Jovem Pan, você trabalhou com Tutinha, que admite
abertamente a existência do jabá.
Saccomani - Vou falar uma coisa
do fundo do meu coração: se o cara acha que uma música não vai
dar audiência para sua rádio, pode botar US$ 1 milhão que ele não
toca. Passei a trabalhar no segmento mais popular porque fiquei cansado de ser Robin Hood,
de defender bandeiras. Não que
tenha me prostituído.
Folha - Qual foi o seu papel na
criação dos Mamonas Assassinas?
Saccomani - Fui eu quem negociei o contrato deles. Mostrei para
algumas gravadoras, fui totalmente ironizado por todas. Mandei para João Augusto (da EMI,
hoje na Abril), que também
achou uma porcaria. O filho dele
gostou, aí foi feito o disco. Meu
nome só aparece nos agradecimentos, o que gerou uma grande
briga minha com João Augusto.
Ganhei R$ 2.000 pela produção
artística e musical dos Mamonas.
Folha - Não soa estranho vocês
terem brigado tão feio e estarem
trabalhando juntos de novo?
Saccomani - A verdade foi restabelecida no livro dos Mamonas.
Não ganhei nenhum tostão a
mais, mas não tenho muito do
que reclamar porque aceitei como
me foi proposto. Quando eles
morreram, acabou a briga.
Folha - Aí você fez o Tiririca.
Saccomani - Ouvi "Florentina"
numa fita pirata que um sócio
meu trouxe. Como é que um cara
tinha a cara-de-pau de fazer uma
música daquelas? Chamei ele
aqui, lancei seu CD pela Sony.
Achei gostoso ir na contracorrente. Era o auge do humor, fui no
forró. Naquela onda de Olodum,
fui achar umas indiazinhas em
Manaus, o Carrapicho. Estava
vindo um rap aí, achei o Sampa
Crew na periferia de São Paulo.
Senti que Pepê & Neném podiam
entrar nessa história, fui lá.
Folha - Você foi empresário de Tiririca. Não pensa na crueldade por
trás da exploração desses artistas
de um sucesso só?
Saccomani - Estive com ele na semana passada, só faltou a gente
chorar. Foi uma maldade muito
grande. Ele é uma pessoa analfabeta, de um talento popular como
raramente se viu no Brasil. Não
sei como alguém pode chamar Tiririca de racista. Mas nunca me
recusei a um desafio, mesmo sabendo que poderia ser politicamente incorreto. Nunca esperei
do Tiririca mais que "Florentina".
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