São Paulo, quarta-feira, 31 de maio de 2006

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Cebrap põe seus clássicos na internet

Já é possível ler revistas esgotadas do centro de pesquisa, que reúnem nomes como FHC, Roberto Scwharz e Francisco de Oliveira

Período áureo de produção intelectual na "Novos Estudos" pretendia fazer a crítica "a quente" da sociedade brasileira

RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL

"A situação é péssima, excelente para fazer uma revista" (uma coisa que Roberto Schwarz tem sabido fazer é escrever textos que não perdem a atualidade; culpa da sociedade brasileira, quem sabe).
A frase do crítico literário conclui o texto introdutório à primeira revista "Novos Estudos", de 1981, editada pelo Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), publicação que viria, nos anos seguintes, a reunir a nata da intelectualidade num objetivo comum: pensar, a quente, o país.
Artigos importantes reunidos ali, e sem edição posterior, de gente como o próprio Schwarz, os sociólogos Francisco de Oliveira e Fernando Henrique Cardoso, o filósofo José Arthur Giannotti, os economistas Celso Furtado e Paul Singer, o crítico Antonio Candido e outros, estavam perdidos junto com as revistas, esgotadas, especialmente as do seu período mais combativo, de fins da ditadura e transição para a democracia, nos anos 80.
Voltam agora a público com a digitalização e acesso possível na internet, no site do Cebrap (www.cebrap.org.br). A leitura da íntegra dos textos só é permitida aos assinantes da "Novos Estudos", privilégio que custa R$ 45 anuais.
O atual editor do periódico, Flávio Moura, explica que o trabalho de digitalização de números antigos começou a ser divulgado no site do Cebrap em fevereiro passado. A publicação "eletrônica" de todos os números só deve ficar pronta, no entanto, daqui a três meses.
De certa maneira, o acesso pela internet cumpre, com atraso, um dos objetivos daquela revista que surgia em 1981. Filhos da antiga "Estudos", os "Novos" pretendiam ser mais acessíveis, em textos mais curtos, ligados mais diretamente à conjuntura do país, projeto que se refletia no formato, mais leve, com cara de revista "comum", grampeada.
"Achamos que a revista devia interferir mais no debate, ser mais ágil", explica Francisco de Oliveira, responsável direta ou indiretamente pela sua edição de 1981 a 1987. "Mas ela não conseguiu ir para as bancas, custava muito caro. Não conseguimos ter uma penetração maior do que tínhamos antes."
De toda forma, suas páginas, naquele período, reuniram artigos que já podem ser considerados clássicos, como a análise que Antonio Candido fez da relação entre intelectuais, produção cultural e o Estado brasileiro sob Getúlio Vargas, em "A Revolução de 1930 e a Cultura", de 1984. Ou "Complexo, Moderno, Nacional e Negativo", também de Schwarz, um desenvolvimento de seus estudos sobre a obra de Machado de Assis, do primeiro número.
No segundo, além de um "dossiê" sobre "A Literatura e a Pobreza", que reuniu expoentes da crítica literária do país (entre outros, Silviano Santiago, Alfredo Bosi e Modesto Carone), há a colaboração -hoje impensável- de Oliveira e FHC, no texto "Partidos, Estados e Movimentos Sociais". Como se sabe, os dois antigos colaboradores seguiram caminhos políticos distintos.
Essas reuniões e certa amizade foram também elas possibilitadas pela conjuntura política e social do país e, desfeitas, ajudam a explicar o momento áureo que a revista viveu e as mudanças pelas quais passou depois.
Num texto a ser publicado no próximo número da "Novos Estudos", Rodrigo Naves, que foi seu editor entre 1987 e 1995, analisa dois aspectos cruciais na mudança de feição do Cebrap -e que tiveram conseqüências indiretas para a revista. A divisão de seus pesquisadores entre PT e PSDB, acirrada na década de 90, e a mudança de perfil das produções da casa, que, como no restante do país, passaram a se apoiar "em pesquisas empíricas metódicas e extensas e em questões específicas de recorte claro".
Francisco de Oliveira lembra que a ditadura, de certa maneira, os uniu, e a chegada de FHC ao poder terminou por desunir muita gente. No entanto, mais de uma década depois-e muitos bons artigos continuaram a ser editados nesse período-, a nos fiarmos nas palavras de Schwarz, as condições para se fazer uma boa revista continuam ótimas.


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