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JOÃO PEREIRA COUTINHO
Planeta dos macacos
As teorias da conspiração são uma adaptação moderna da histeria animal que Stanley Kubrick filmou em "2001"
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QUE VERGONHA. Eu queria escrever sobre "O Código Da
Vinci", mas tenho dois problemas básicos. Não li o livro
e não assisti ao filme. Calma, a história é mais complexa: o livro, eu li,
mas só até metade. A certa altura,
senti um cheiro pastoso à mandioca
queimada e percebi, sem surpresa,
que eram meus neurônios derretendo. O filme fui assistindo. Atenção
ao gerúndio: assistindo. Ou seja: assistia, adormecia, assistia, adormecia. Por outras palavras, sou um verdadeiro especialista no assunto.
Mas quem não é? Só nesta semana, li na imprensa inglesa que 60%
dos leitores de "O Código Da Vinci"
(se preferirem, 7 milhões de pessoas) acreditam firmemente na
"verdade" do "Código". Cuidado,
gente: estamos a falar da pátria de
Newton, Darwin ou Peter Cook. E
que "verdade" é essa? Pois é: parece
que Jesus e Madalena casaram na
Galiléia e deixaram descendência. A
descendência anda por aí, 2.000
anos depois. Não olhem para mim.
Está bem, olhem, mas juro que não
sou.
O problema é que esta "verdade"
foi escondida pela igreja: em 325
d.C., o imperador Constantino,
apostado em transformar o cristianismo em religião oficial, decretava
a divindade de Jesus. Madalena fora
marginalizada pela igreja, procurou
refúgio na França e, sei lá, terminou
seus dias a fazer camembert (não li
esta parte; adormeci, idem). Infelizmente para Constantino, para a
igreja e para a hipocrisia do cristianismo, existe um grupo, chamado
Priorado do Sião, que conhece tudo
e ameaça contar. O livro e o filme começam com a morte de um membro
do clube, assassinado por um louco
da Opus Dei. Não vou relatar o fim
para não estragar a surpresa. A começar pela minha.
E a começar pela vossa. Nos últimos dias, familiares e amigos, dominados pelo livro de Dan Brown, têm
perguntado se a "verdade" do "Código" é, digamos, verdade mesmo.
Suspiro. Estou velho. Estou cansado. Dizer o quê? Que o Priorado é invenção de um fantasista francês,
Pierre Plantard, condenado por
fraudes? Que o casamento de Jesus
e Madalena pode entusiasmar as
massas que assistiram a "Uma Linda
Mulher" -mas que não encontra
suporte em nenhum tipo de texto,
canônico ou apócrifo?
Não vale a pena. Deitado no sofá,
onde passo meus dias, reparo então
em notícia científica que se adapta
ao momento: homens e macacos
transaram, algures, no passado.
Mais: de acordo com a ciência, a nossa espécie é resultado dessas horas
de amor íntimo. Pessoalmente,
nunca duvidei. Não falo apenas de
certas feições símias, sobretudo entre a classe política. Falo de hábitos:
hábitos mentais que sobreviveram a
tudo. Inventamos o fogo. A roda. A
agricultura. Descobrimos continentes. E planetas. Mas persistiu sempre no fundo de nós esse macaquito
primitivo que olha para os mistérios
do mundo como se o cosmos fosse
dominado por forças misteriosas. As
teorias da conspiração são uma
adaptação moderna da histeria animal que Kubrick filmou em "2001".
E que passou para os nossos genes.
Aliás, se dúvidas houvesse, bastaria
citar o "Código" e os milhões de macaquitos que leram e acreditaram.
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