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Crítica/"O Mago"
Vida de Paulo Coelho é mais curiosa que seus personagens
Na biografia lançada pela ed. Planeta, autor é personagem complexo e calculista
MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA
POUCO depois da publicação do romance "O
Zahir", o hotel parisiense Bristol rebatizou uma de
suas iguarias com o nome
"Chocolate quente de Paulo
Coelho", em retribuição ao fato
de o escritor ter ambientado ali
uma das cenas do livro.
A homenagem seria seguida
por um restaurante de Marrakech, no Marrocos, que incluiu
em seu cardápio o "cuscuz à
Paulo Coelho".
Essas celebrações gastronômicas, porém, são risíveis perto
do reconhecimento pecuniário
do emir de Dubai, que, em
2007, presenteou o autor de "O
Alquimista" com uma mansão
no valor de US$ 4,5 milhões
-dádivas semelhantes contemplariam Pelé, o jogador David Beckham e o piloto Michael
Schumacher.
Fatos como estes, relatados
na biografia "O Mago", de Fernando Morais, não deixam dúvida: Paulo Coelho não é apenas um fenômeno editorial que
suplantou Jorge Amado como
escritor brasileiro mais conhecido no mundo; ele é o único escritor de qualquer língua a atingir celebridade planetária.
Sucesso como sina
Morais não busca as razões
literárias dessa consagração.
Seu enfoque é a obstinação de
um jovem que desde muito cedo queria se tornar escritor -a
ponto de ter se empenhado
mais na construção da imagem
de iluminado do que na produção de uma obra.
O biógrafo teve acesso a um
baú contendo 40 anos de diários e gravações. Num dos trechos, Paulo Coelho escreve:
"Sou um guerreiro aguardando
sua hora de entrar decisivamente em cena (...) e minha sina é o sucesso. Meu grande talento é lutar por ele".
Até agora, Paulo Coelho era
mais conhecido como o parceiro de Raul Seixas, o maluco beleza envolvido em seitas satânicas, que percorreu o caminho
de Santiago de Compostela, na
Espanha, e conquistou o estrelato com a publicação de "Diário de um Mago".
Agora, sobe ao palco um personagem que, em meio a promiscuidade, drogas, internação
em manicômios (com direito a
tratamento por eletrochoque)
e prisões sob suspeita (infundada) de envolvimento com grupos terroristas durante o regime militar, orquestrou o sucesso com o calculismo de um administrador de empresas.
A parte mais envolvente do
livro corresponde aos anos de
formação, marcados pelo fantasma de algumas culpas -como a omissão de socorro após
atropelar um garoto ou aquela
que considera sua maior covardia: ter se calado quando sua
namorada implorava que ele a
reconhecesse diante de torturadores do DOI-Codi.
Experiências homossexuais
na juventude ou o curioso plágio de um texto de Carlos Heitor Cony (assinado fraudulentamente para um jornal de Aracaju) são momentos de desbunde que preparam a grande
virada: uma visita ao campo de
concentração nazista de Dachau, durante a qual teve a visão de um facho de luz que indicaria sua "trajetória mágica".
"Esquartejamento"
Morais afirma que o "escritor
Paulo Coelho" nasceu naquele
dia de fevereiro de 1982. Sua
obra propriamente dita só teria
início em 1987, com "O Diário
de um Mago" -e, com ela, aquilo que ele descreve como "esquartejamento público" do escritor por uma crítica até hoje
atônita com seu sucesso.
Para os leitores menos crédulos, as supostas faculdades
paranormais de Coelho sempre
soaram como um hábil exercício de mistificação. Morais nos
mostra, porém, um autor cuja
religiosidade e obsessão de ver
"sinais" a todo momento parecem autênticas.
Isso certamente não convalida o esoterismo e as lições espiritualistas de seus romances,
mas confere complexidade à figura do escritor.
Em resumo, o protagonista
de Fernando Morais em "O
Mago" talvez seja mais interessante do que qualquer personagem de Paulo Coelho.
O MAGO
Autor: Fernando Morais
Editora: Planeta
Quanto: R$ 59,90 (632 págs.)
Avaliação: bom
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