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Mostra abre hoje sua 28ª edição e destina ao artista gaúcho de 63 anos o Troféu Oscarito
Festival de Gramado celebra Paulo José, ator de caráter
Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
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O ator e diretor gaúcho Paulo José, 63, no Rio de Janeiro, onde mora; ele recebe amanhã, em evento da 28º edição do festival de cinema de Gramado (RS), prêmio especial pelo conjunto de sua obra |
Protagonista de "Macunaíma", de 1969, estréia no mês que vem peça do francês Jean-Claude Carrière
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AMIR LABAKI
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
O ator e diretor gaúcho Paulo
José, 63, recebe amanhã o Troféu
Oscarito MoviStar do Festival de
Gramado, que abre hoje sua 28ª
edição. Apesar de conterrâneo e
frequentador assíduo do evento,
será a primeira premiação dele no
festival que ajudou a criar.
Foi ao rodar perto de Gramado
a comédia "Gaudêncio, o Centauro dos Pampas", de Fernando
Amaral, em 1971, que surgiu o
projeto de tornar a serra gaúcha
um ponto de encontro anual para
o cinema brasileiro.
Sua trajetória, no palco e nas telas, é impressionante. Paulo José
marcou como ator, produtor e diretor o Teatro de Arena de São
Paulo, participando de montagens históricas como "Revolução
na América do Sul", "Eles Não
Usam Black-Tie" e a versão carioca de "Arena Conta Zumbi".
O destino levou-o a herdar, na
última hora, o papel de protagonista num dos primeiros filmes
do cinema novo, "O Padre e a Moça" (65), de Joaquim Pedro de Andrade. Na década seguinte, revolucionaria a imagem masculina
no cinema brasileiro, criando o
galã frágil, tímido e inseguro de
comédias românticas como "Todas as Mulheres do Mundo" (66)
e "Edu Coração de Ouro" (67),
ambas de Domingos de Oliveira.
Luiz Sérgio Person o levaria,
cinco anos depois, a parodiar a
própria persona no subestimado
"Cassi Jones, o Magnífico Sedutor". Pouco antes, a parceria de
Paulo José com Joaquim Pedro
atingira o ápice ao fazer o Macunaíma branco (Grande Otelo era
o negro) para a tropicalista versão
do "herói sem nenhum caráter"
de Mario de Andrade.
A partir do final dos anos 60, a
televisão descobre seu carisma e
disputa-lhe as atenções com o teatro e o cinema. Paulo José participou da ascensão das telenovelas
na Rede Globo, no elenco de sucessos como "Véu de Noiva" (69-70), de Janete Clair, e "O Casarão"
(76), de Lauro César Muniz. Ao
lado do parceiro de Arena Flávio
Migliaccio, roubou a cena em "O
Primeiro Amor" (72), de Walter
Negrão -a anárquica dupla Shazan e Xerife ganhou seriado próprio, terminada a novela.
Desde então, Paulo José alterna-se entre peças, novelas e séries,
também como diretor, e filmes
mais esparsos, o último deles "Policarpo Quaresma, Herói do Brasil" (96), de Paulo Thiago.
Na semana passada, ele recebeu
a Folha em sua casa, num silencioso condomínio da Gávea. Leves sintomas do mal de Parkinson
marcam seu lado direito (intermitente tremor na perna, certo relaxamento da mão). Diagnosticado
há seis anos, nada drenou de seu
charme ou de sua energia. Leia a
seguir um resumo da entrevista.
Folha - Como Joaquim Pedro chamou-o, em cima da hora, para protagonizar "O Padre e a Moça"?
Paulo José - Nós (do Arena) fizemos "A Mandrágora" com muito
sucesso, em São Paulo e no Rio.
Fauzi Arap fazia o padre. Era um
ator extraordinário. Joaquim Pedro chamou o Fauzi para fazer o
farmacêutico, Helena Ignez para
fazer a moça e achou que Luis Jasmim, que era um pintor, era um
tipo interessante para fazer o padre. Nas vésperas das filmagens,
Luis adoeceu com hepatite. Joaquim ficou desesperado. Lembraram de "A Mandrágora", que eu
fazia, e a Sarah (de Castro Barbosa), mulher do Joaquim, foi me
encontrar na porta do teatro e
perguntou: "Você quer fazer o
Joaquim?". "Quando é que eu viajo?" "Amanhã" (risos).
Folha - Qual foi o impacto em você desse primeiro filme?
Paulo José - Foi uma experiência
maravilhosa. É um filme absolutamente rigoroso. Me ensinou
muito sobre o trabalho de ator como vivência e não como representação, não ser o ator representando, mas ser vivenciado. Era
mais fácil para mim, pois não precisava do esforço da expressão. Fiquei o tempo todo lá, três meses e
meio, de batina. O personagem ficava pronto. Joaquim era absolutamente crítico. Tinha uma dificuldade enorme em aceitar de
imediato as coisas. Ele exigia, à la
(Robert) Bresson, que você não
tentasse ser expressivo.
Folha - Como você foi escalado
para "Macunaíma"?
Paulo José - Fui escolhido por
eliminação. Joaquim Pedro andou atrás de todos os atores brasileiros, e eu sempre junto dele.
Chamou primeiro Agildo Ribeiro, que havia feito em "Auto da
Compadecida" um João Grilo
perfeito e era Macunaíma. Eu só
tinha elogios. Joaquim dizia que
não estava convencido. Depois, já
exausto, perto de começar a filmar, ele vira para mim e diz: "Você topa operar o nariz? Seu nariz é
difícil cinematograficamente. De
perfil você tem um nariz delicado,
fininho, mas se vira de frente ele
fica batatudo, largo. Se operasse o
nariz, eu queria que você fizesse o
Macunaíma branco". Falei que
não podia. No dia seguinte ele disse: "Andei pensando. Seu nariz é
perfeito. Ele é branco de perfil e
negro de frente" (risos).
Folha - Com "Todas as Mulheres
do Mundo" você cria um novo tipo
masculino no cinema brasileiro,
mais frágil, na linha, por exemplo,
de um Jack Lemmon.
Paulo José - Há o James Stewart
também, o homem que não entende por que está acontecendo
aquilo com ele, com certa perplexidade, ou Henry Fonda no "Vinhas da Ira", que tem uma coisa
patética. Acho que esse tipo de interpretação tem uma transparência com a qual o espectador tem
facilidade de se identificar, em
que coloca atributos e significações afetivas. O ator "fodão" é auto-suficiente. O espectador o admira como um herói, de longe.
No outro tipo o espectador entra
dentro dele. Nós todos somos fracos. No jogo entre "winners"
(vencedores) e "losers" (perdedores), nós todos somos "losers".
Folha - Quando você encontrou
Domingos de Oliveira?
Paulo José - Nós havíamos ficado muito amigos quando, em 63,
vim fazer "A Mandrágora". Eu o
dirigi no teatro, em 66, em "Carnaval para Principiantes", no Arena no Rio. Quando ele escreveu
"Todas as Mulheres do Mundo",
o nome do personagem era Paulo
José. Eu era o alter ego dele. Me
comportei como ele, com fragilidade física, herói romântico do
século 19, perto da tuberculose.
Folha - O segredo de Leila Diniz
era a espontaneidade?
Paulo José - Eu e Leila, assim como era no Arena, trabalhávamos
na base da inter-relação. O público não tinha nenhuma importância para nós. O jogo era entre nós,
vivo. "Todas Mulheres do Mundo" era um média-metragem. Era
a primeira parte. A segunda seria
"Edu Coração de Ouro". O filme
foi crescendo por dentro. A gente
foi ampliando as situações. A gente ia improvisando e se divertiu
muito com aquilo.
Folha - Por que essa linha de interpretação não fez escola?
Paulo José - O ator no filme brasileiro representa muito. Na comédia, é histriônico, cheio de gestos teatrais. Agora, nos filmes de
Beto Brant, há um tipo de interpretação com despojamento. Os
atores estão fazendo cinema. A
câmera amplia muito. Uma sobrancelha levantada num close
numa tela de cinco metros de altura é uma obscenidade, é uma
ponte levadiça. Os atores do cinema americano foram muito formados pelo Stanislavski. Outro
dia mostrei numa aula a lista dos
atores que passaram pelo Actors
Studio -todos, até diretores como Sydney Lumet e Sidney Pollack. O importante no cinema é a
ação física. Spencer Tracy, que parecia que estava em casa sempre,
dizia: "É muito simples. É você
decorar o texto, saber respirar e
não esbarrar no cenário" (risos).
Folha - Que peça você está montando?
Paulo José - "A Controvérsia de
Valladollid" é uma peça que Jean-Claude Carrière fez de encomenda para um telefilme na celebração do Quarto Centenário da
América, em 92. Ele não fez um
filme oficial sobre o triunfo dos
conquistadores. Fez sobre Bartolomeo de las Casas, um dominicano que passou toda a vida denunciando as atrocidades cometidas
na América em nome da fé cristã.
Carrière centralizou isso num
grande debate, famoso, que aconteceu em Valladollid, em 1550, entre Bartolomeo e Juan de Sepúlveda, o mais famoso intelectual da
Espanha, grande teólogo e historiógrafo. As posições divergiam
radicalmente. Haveria uma bula
papal que daria ou não alma aos
índios. A discussão era sobre se os
índios tinham ou não alma, se podiam ser escravizados ou não. O
elenco tem o Matheus Nachtergaele, Otávio Augusto, Ivan Albuquerque e eu. Estréia no teatro
Glória, no Rio, em 8 de setembro.
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