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FESTIVAL DE GRAMADO
Do nariz de Macunaíma e de outros casos
PAULO JOSÉ
ESPECIAL PARA A FOLHA
Não era de hoje que andávamos
juntos, eu mais Joaquim. Desde
"O Padre e a Moça", minha primeira aventura na lanterna mágica chamada cinema, que eu gostava de ficar na sua oca em Ipanema
(...). E foi naquela maloca que o
herói Joaquim deu de não comer
nem dormir, pulava cedo na ubá e
se punha a maquinar uns causos.
E de tanta maquinação nasceu seu
Macunaíma, coisa boa de ler, tão
perfeita, tão acabada que parecia
que ia virar cinema, mesmo que
ninguém o filmasse.
E eu adormecia e acordava sonhando a mesma coisa: brincar de
ser aquele herói que fazia coisas
de sarapantar. Grande Otelo virou Macunaíma preto, Dina Sfat,
a Ci Mãe do mato, Jardel Filho, o
Wenceslau Pietro Pietra, aliás o
gigante Piaimã, comedor de gente, (...) e assim por diante.
E o Macunaíma branco? Tinha,
não. Ou tinha, mas não tinha ainda de certeza mesmo. (...) Botei
minha violinha no saco e segui
acompanhando as trabucagens
dos primos. Mas o nosso herói
Joaquim andava desinquieto. Se
dormia com o olho esquerdo,
com o direito vigilava.
Com o coração apertado decidiu sair pelo Brasil afora campeando um alguém para seu Macunaíma branco, seguido por um
séquito sarapintado de jandaias e
araras vermelhas. (...) De A a Z todos os malazarteiros e burlantins
entre 25 a 50 anos passaram pela
sua frente, de fato ou imaginados.
Quer dizer, todos menos eu, que
estava ali, ao alcance da mão.
Passaram-se muitas luas e nada
satisfazia o herói. Uma tarde estava ele aborrecido e silencioso
quando o pássaro uirapuru pousou na sua cabeça, começou a
cantar e o herói entendeu o que
ele dizia. Joaquim ficou me olhando um tempo de um jeito que me
deu vontade de dizer:
- Não me olha de banda que
eu não sou quitanda, não me olha
de lado que eu não sou melado.
Mas não disse. Aí ele me perguntou de golpe:
- Que me diz, perdiz? Topa
operar o nariz?
Eu continuei parado, meio assim-assado, assuntando numa
cisma assombrosa. E o herói, revirando os olhos de gosto com a minha atrapalhação, foi explicando
que eu tinha dois narizes, inimigos um do outro: um, fino, se visto de lado, outro batatudo, se visto de frente. Irreconciliáveis!, ele
disse. Difícil para aparecer na máquina de fazer fita.
- Se você ajeita isso a gente filma, parceiro.
- Sem nariz? Ora, vá desmamar jacu com alpiste, moço!
Saí batendo o pé, firme, para esconder a brabeza que tomou conta do meu coração narigudo (...).
E o herói saiu do sério de sua
voz baixa e falou pra que todo
mundo escutasse:
- Coração dos outros, seu nariz até que é bonitim e não atrapalha!!! Meus cuidados, vosmicê
tem até o nariz do nosso herói,
branco de lado, negro de frente e
mameluco, mulato, cafuzo nos
três quartos. Topas ser Macunaíma, parceiro?
Quis responder, mas cadê voz
para falar? Nem precisei de boca.
Estava todo faceiro, num mexe-mexendo pelo corpo todo que
nem quando mulher faz cosquinhas na gente. E lá se foi fazer seu
filme Joaquim Pedro de Andrade,
herói de nossa gente!
Texto escrito pelo ator para o relançamento de "Macunaíma", em 99
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