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TEATRO
Paulo Autran comenta as atividades de Gilberto Gil no Ministério da Cultura e as dificuldades de montar uma peça
"Estamos todos em compasso de espera"
DA REPORTAGEM LOCAL
A seguir, trechos da entrevista
realizada com Paulo Autran na
tarde de terça-feira, na platéia do
recém-reformado teatro Aliança
Francesa, na região central de São
Paulo, onde faz temporada pela
primeira vez. Além de "Quadrante", o ator também fala de política
nacional e de cultura.
(VS)
Folha - Na condição de produtor
de algumas das suas peças, como o
sr. acompanha os desdobramentos
da política cultural no país?
Paulo Autran - Essa é uma questão muito difícil. Jamais aceitaria
ser secretário da Cultura ou ministro da Cultura. O que deve
orientar as autoridades da cultura
é o que eles podem fazer de melhor para elevar o nível cultural do
nosso povo. Essa é a meta, agora,
como atingi-la, não tenho a menor idéia. As leis de incentivo cultural trazem prós e contras. Sem
elas, muitos espetáculos não poderiam ser montados no Brasil,
mas, por causa delas, o custo de
uma montagem teatral atinge cifras inacreditáveis. Está caríssimo
montar um espetáculo hoje.
Folha - O sr. está satisfeito com os
sete meses de Gilberto Gil no Ministério da Cultura?
Autran - Vamos ver se ele pode
fazer algo. O ministério tem uma
verba muito pequena [0,2 % do
orçamento federal]. Se ele conseguir melhorá-la, será ótimo. Acho
que, no Brasil, estamos todos em
compasso de espera. Em relação
ao presidente, aos ministros, ao
governo. Tomara que essa espera
não se prolongue muito.
Folha - O sr., que passou pelo regime militar (1964-85) e chegou a
experimentar o teatro político em
espetáculos como "Liberdade, Liberdade" [1965, texto de Millôr
Fernandes e direção de Flávio Rangel], como avalia o país do período
da abertura política até os dias
atuais? A sociedade amadureceu
politicamente?
Autran - Isso não sei lhe dizer.
Antigamente, esperava ter um
presidente que fosse culto, inteligente, que quisesse o bem do Brasil e que tivesse um nível cultural
elevado. Foi o caso do Fernando
Henrique, mas muita gente não
ficou satisfeita com o governo dele, tanto que o Brasil elegeu Lula.
Então, estou esperando para ver
se ele faz um governo melhor. Por
enquanto, está muito parecido.
Folha - O sr. votou no Lula?
Autran - Não. E não vou declarar
o voto.
Folha - O sr. estava na pré-estréia
da peça de Juca de Oliveira, "A Flor
do Meu Bem-Querer". O que achou
das polêmicas citações aos políticos [No espetáculo, Juca faz piadas
sobre a relação extraconjugal de
Bill Clinton e referências às vidas
pessoais de FHC e Lula]?
Autran - Achei a história divertida, ri muito. As citações são exatamente como ele fez em "Caixa 2" e
"Meno Male". O Juca lê o jornal e
consegue encaixar na peça a piada
do dia com muito senso de humor e muito a propósito.
Folha - Sobre "Quadrante", muito se comenta da adaptação que o
sr. fez para o conto "Meu Tio, o
Iauaretê", de João Guimarães Rosa
(1908-1967), em que mostra um registro de interpretação distinto do
que conhecemos, mais instintivo. O
sr. concorda?
Autran - A primeira vez que li o
conto de Guimarães Rosa foi em
minha cama, deitado. Quando
acabei, estava tremendo de emoção. Pensei: um dia vou colocar isso no palco. Eu acho que é uma
interpretação, ao contrário, menos instintiva. Como o personagem está se transformando num
animal, procuro transmitir a coisa
primitiva que há dentro de cada
um de nós, por isso que parece,
como você disse, mais instintivo.
Folha - O sr. teve uma formação
autodidata numa fase próspera do
teatro amador, antes de os diretores italianos chegarem ao Teatro
Brasileiro de Comédia (TBC) em São
Paulo. Qual sua opinião sobre faculdades e escolas de artes cênicas?
Autran - Acho indispensável.
Mesmo quando a pessoa tem talento, o curso ajuda a desenvolvê-lo ainda mais. Principalmente,
confirma ou não a vocação. Há
ainda um sentido de disciplina
que é vital para o teatro. Contudo,
o teatro amador ainda resiste em
muitos cantos do Brasil.
Folha - Na experiência de ator,
como o sr. se relaciona com a idade? Como lidar com a ferramenta
do corpo, por exemplo?
Autran - Eu costumo dizer que o
teatro é uma profissão abençoada. Em qualquer idade você tem
uma gama de personagens para
escolher... Mas estou pagando pela boca, porque agora eu não encontro uma peça que me entusiasme, não sei qual será o meu
próximo texto. Estou procurando
personagens que tenham idade
próxima da minha, não posso
mais fazer um Romeu, por exemplo. Está difícil achar.
Folha -Qual foi o pior momento
da carreira?
Autran - Foram os dois anos em
que minha carreira foi morna, em
1970 e 1971 [fez "Brasil & Cia.", de
Ferreira Gullar e outros; "Macbeth", de Shakespeare; "As Sabichonas", de Molière; e "Só Porque
Você Quer", de Pirandello, todos
fracassos de público e crítica].
Não há nada pior do que a mornidão ou a indiferença. Quando você ousa extraordinariamente e erra, a ousadia também é uma lição.
Mas quando você faz coisas que
só provocam a indiferença, aí é
terrível. Você não progride, é horrível. Refleti durante seis meses e
percebi que a culpa era minha. Estava sobrecarregado com as funções de produtor, com menos
tempo para ensaiar, para me dedicar aos personagens.
Folha - E uma passagem memorável?
Autran - Lembro-me da estréia
de "Leonor de Mendonça" [1954,
de Gonçalves Dias, direção do italiano Adolfo Celi] no TBC, teatro
que então atravessava uma crise
financeira. Pela primeira vez na
história do TBC, num intervalo, a
platéia ouviu as marteladas de um
cenógrafo terminando detalhes
do cenário.
Tive que pedir a um amigo para
terminar o meu figurino. No dia
da estréia, o Celi ficou nervosíssimo. Estavam no elenco a Cleyde
[Yáconis] e o Sérgio Cardoso. Eu
fazia o d. Jaime, personagem que
era um verdadeiro Otelo. O Celi
ficou impressionado como todos
estavam nervosos e, na cabeça dele, eu não estava. Quando acabou
a apresentação, ele me pegou,
descendo para os camarins, e disse: "Você é de pedra, não?", e saiu.
Não sei definir o que ele quis expressar com aquela frase.
QUADRANTE Concepção, direção e
interpretação: Paulo Autran. Onde:
teatro Aliança Francesa (r. General
Jardim, 182, tel. 0/xx/11/3123-1753).
Quando: reestréia amanhã, às 21h30;
sex., às 21h30; sáb., às 21h; e dom., às
19h. Quanto: R$ 40. Até 17/8.
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