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São Paulo, quinta-feira, 31 de julho de 2003

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TEATRO

Paulo Autran comenta as atividades de Gilberto Gil no Ministério da Cultura e as dificuldades de montar uma peça

"Estamos todos em compasso de espera"

DA REPORTAGEM LOCAL

A seguir, trechos da entrevista realizada com Paulo Autran na tarde de terça-feira, na platéia do recém-reformado teatro Aliança Francesa, na região central de São Paulo, onde faz temporada pela primeira vez. Além de "Quadrante", o ator também fala de política nacional e de cultura. (VS)
 

Folha - Na condição de produtor de algumas das suas peças, como o sr. acompanha os desdobramentos da política cultural no país?
Paulo Autran -
Essa é uma questão muito difícil. Jamais aceitaria ser secretário da Cultura ou ministro da Cultura. O que deve orientar as autoridades da cultura é o que eles podem fazer de melhor para elevar o nível cultural do nosso povo. Essa é a meta, agora, como atingi-la, não tenho a menor idéia. As leis de incentivo cultural trazem prós e contras. Sem elas, muitos espetáculos não poderiam ser montados no Brasil, mas, por causa delas, o custo de uma montagem teatral atinge cifras inacreditáveis. Está caríssimo montar um espetáculo hoje.

Folha - O sr. está satisfeito com os sete meses de Gilberto Gil no Ministério da Cultura?
Autran -
Vamos ver se ele pode fazer algo. O ministério tem uma verba muito pequena [0,2 % do orçamento federal]. Se ele conseguir melhorá-la, será ótimo. Acho que, no Brasil, estamos todos em compasso de espera. Em relação ao presidente, aos ministros, ao governo. Tomara que essa espera não se prolongue muito.

Folha - O sr., que passou pelo regime militar (1964-85) e chegou a experimentar o teatro político em espetáculos como "Liberdade, Liberdade" [1965, texto de Millôr Fernandes e direção de Flávio Rangel], como avalia o país do período da abertura política até os dias atuais? A sociedade amadureceu politicamente?
Autran -
Isso não sei lhe dizer. Antigamente, esperava ter um presidente que fosse culto, inteligente, que quisesse o bem do Brasil e que tivesse um nível cultural elevado. Foi o caso do Fernando Henrique, mas muita gente não ficou satisfeita com o governo dele, tanto que o Brasil elegeu Lula. Então, estou esperando para ver se ele faz um governo melhor. Por enquanto, está muito parecido.

Folha - O sr. votou no Lula?
Autran -
Não. E não vou declarar o voto.

Folha - O sr. estava na pré-estréia da peça de Juca de Oliveira, "A Flor do Meu Bem-Querer". O que achou das polêmicas citações aos políticos [No espetáculo, Juca faz piadas sobre a relação extraconjugal de Bill Clinton e referências às vidas pessoais de FHC e Lula]?
Autran -
Achei a história divertida, ri muito. As citações são exatamente como ele fez em "Caixa 2" e "Meno Male". O Juca lê o jornal e consegue encaixar na peça a piada do dia com muito senso de humor e muito a propósito.

Folha - Sobre "Quadrante", muito se comenta da adaptação que o sr. fez para o conto "Meu Tio, o Iauaretê", de João Guimarães Rosa (1908-1967), em que mostra um registro de interpretação distinto do que conhecemos, mais instintivo. O sr. concorda?
Autran -
A primeira vez que li o conto de Guimarães Rosa foi em minha cama, deitado. Quando acabei, estava tremendo de emoção. Pensei: um dia vou colocar isso no palco. Eu acho que é uma interpretação, ao contrário, menos instintiva. Como o personagem está se transformando num animal, procuro transmitir a coisa primitiva que há dentro de cada um de nós, por isso que parece, como você disse, mais instintivo.

Folha - O sr. teve uma formação autodidata numa fase próspera do teatro amador, antes de os diretores italianos chegarem ao Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) em São Paulo. Qual sua opinião sobre faculdades e escolas de artes cênicas?
Autran -
Acho indispensável. Mesmo quando a pessoa tem talento, o curso ajuda a desenvolvê-lo ainda mais. Principalmente, confirma ou não a vocação. Há ainda um sentido de disciplina que é vital para o teatro. Contudo, o teatro amador ainda resiste em muitos cantos do Brasil.

Folha - Na experiência de ator, como o sr. se relaciona com a idade? Como lidar com a ferramenta do corpo, por exemplo?
Autran -
Eu costumo dizer que o teatro é uma profissão abençoada. Em qualquer idade você tem uma gama de personagens para escolher... Mas estou pagando pela boca, porque agora eu não encontro uma peça que me entusiasme, não sei qual será o meu próximo texto. Estou procurando personagens que tenham idade próxima da minha, não posso mais fazer um Romeu, por exemplo. Está difícil achar.

Folha -Qual foi o pior momento da carreira?
Autran -
Foram os dois anos em que minha carreira foi morna, em 1970 e 1971 [fez "Brasil & Cia.", de Ferreira Gullar e outros; "Macbeth", de Shakespeare; "As Sabichonas", de Molière; e "Só Porque Você Quer", de Pirandello, todos fracassos de público e crítica]. Não há nada pior do que a mornidão ou a indiferença. Quando você ousa extraordinariamente e erra, a ousadia também é uma lição. Mas quando você faz coisas que só provocam a indiferença, aí é terrível. Você não progride, é horrível. Refleti durante seis meses e percebi que a culpa era minha. Estava sobrecarregado com as funções de produtor, com menos tempo para ensaiar, para me dedicar aos personagens.

Folha - E uma passagem memorável?
Autran -
Lembro-me da estréia de "Leonor de Mendonça" [1954, de Gonçalves Dias, direção do italiano Adolfo Celi] no TBC, teatro que então atravessava uma crise financeira. Pela primeira vez na história do TBC, num intervalo, a platéia ouviu as marteladas de um cenógrafo terminando detalhes do cenário.
Tive que pedir a um amigo para terminar o meu figurino. No dia da estréia, o Celi ficou nervosíssimo. Estavam no elenco a Cleyde [Yáconis] e o Sérgio Cardoso. Eu fazia o d. Jaime, personagem que era um verdadeiro Otelo. O Celi ficou impressionado como todos estavam nervosos e, na cabeça dele, eu não estava. Quando acabou a apresentação, ele me pegou, descendo para os camarins, e disse: "Você é de pedra, não?", e saiu. Não sei definir o que ele quis expressar com aquela frase.


QUADRANTE Concepção, direção e interpretação: Paulo Autran. Onde: teatro Aliança Francesa (r. General Jardim, 182, tel. 0/xx/11/3123-1753). Quando: reestréia amanhã, às 21h30; sex., às 21h30; sáb., às 21h; e dom., às 19h. Quanto: R$ 40. Até 17/8.


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