São Paulo, sábado, 31 de julho de 2004

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LITERATURA

Textos e fragmentos selecionados pela neta expõem lado paradoxal do autor, que faria 80 anos em março

Livros inéditos de Hélio Pellegrino são publicados no Rio

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

De tão plural, ele se tornou singular. Obcecado pelos outros, não deu conta de si, deixando inédita uma vasta produção de poemas e ensaios. "Homem-comício", segundo o grande amigo e também exacerbado Nelson Rodrigues, Hélio Pellegrino -que teria feito 80 anos em março passado, caso um infarto não o tivesse derrotado em 1988- foi ainda um homem-paradoxo, característica que parece indispensável aos grandes homens.
Traços desse homem que era católico, marxista, poeta e psicanalista estão expostos em dois livros agora lançados. "Lucidez Embriagada" (Planeta) reúne textos do próprio Hélio selecionados pela neta Antonia. "Arquivinho Hélio Pellegrino" (Bem-Te-Vi) une fragmentos da fragmentada obra do autor, além de cartas, artigos, cronologia e desenhos de, para e sobre ele. Haverá um lançamento conjunto em 10 de agosto, na Livraria Argumento, no Leblon (zona sul do Rio).
Para Antonia, 24, mergulhar nos arquivos de Hélio que estão na Casa de Rui Barbosa, no Rio, foi travar uma "relação imaginária com o avô que morreu".
Como perdeu o convívio com ele aos oito anos, passou a ter um "avô de papel", como escreve na apresentação de "Lucidez Embriagada". Dos muitos papéis que leu e das conversas com parentes mais velhos, compôs um Hélio que revestia suas contradições de generosidade.
"Ele era um libertário na rua, mas em casa não. Foi um marxista que se casou com uma milionária. Esses paradoxos eram elementos de uma personalidade angustiada. Mas ele se realizava completamente na devoção pelo outro. Tentava sempre entender os lados opostos de uma situação", diz ela, socióloga e escritora.
Essa avaliação do avô a levou a criar uma estrutura dialética do livro: a primeira parte se chama "Hélio"; a segunda, "Outro"; a terceira, "Encontro". Não por caso, o primeiro bloco é o menor, já que Hélio falava mais de si dedicando-se aos outros. E o terço final é o maior, porque, fosse no amor, na religião, na psicanálise ou na política, a fraternidade entre as pessoas era a utopia buscada por ele.
"[Pellegrino] Tinha um único objetivo, quase obsessão: lutar pela libertação de tudo o que, sendo imposto ao Homem, o faz sofrer e apequena sua vida", escreve Paulo Roberto Pires, autor da biografia "Hélio Pellegrino - A Paixão Indignada", no perfil que consta do "Arquivinho".
No campo político, tal obsessão se manifestava numa luta destemida contra o autoritarismo, em especial o da ditadura militar. Expoente dos protestos de 1968 ("O povo está em praça pública, logo está em sua casa" é uma frase sua da época), Pellegrino fez parte das comissões que foram recebidas pelo governador do Rio, Negrão de Lima, e pelo então presidente da República, general Arthur da Costa e Silva. Nos dois encontros, foi extremamente incisivo. Acabou preso em dezembro, após a decretação do AI-5.
"Ele era um intelectual voltado para a vida pública, um intelectual que se sentia responsável pela condução da vida nacional, algo que praticamente não existe mais", ressalta Antonia.
"Hélio se aliou a todos os movimentos em defesa dos oprimidos", resume o crítico teatral Sábato Magaldi.
Magaldi, 74, conheceu como poucos o lado privado de Pellegrino. Os dois eram primos e, na Belo Horizonte de suas infâncias, os separavam apenas duas quadras. Ele foi um dos alvos de outra paixão de Hélio: os amigos.
Seus amigos-irmãos mais notórios são Fernando Sabino, Otto Lara Resende e Paulo Mendes Campos, os "quatro cavaleiros de um íntimo apocalipse", como diziam. A relação entre eles está eternizada nas cartas trocadas - dois exemplos da correspondência com Otto estão no "Arquivinho" -, no disco "Os 4 Mineiros" e na produção literária de todos, em especial no romance "Encontro Marcado", de Sabino.
A produção de Pellegrino, aliás, praticamente não houve. Publicou coisas esparsas em jornais e coletâneas, mas só no fim da vida conseguiu selecionar ensaios para "A Burrice do Demônio", livro publicado meses depois de sua morte. Em 1994, Humberto Werneck organizou o volume de poemas "Minérios Domados".
"Se ele tivesse sido mais avarento, e não tão generoso, teria uma obra mais ampla", diz Magaldi. "Hélio exerceu uma influência enorme sobre as pessoas, desempenhando um papel tão importante que o fez preterir sua própria obra", completa Lélia Coelho Frota, editora e organizadora do "Arquivinho".


LUCIDEZ EMBRIAGADA. Editora: Planeta. Quanto: R$ 35

ARQUIVINHO HÉLIO PELLEGRINO. Editora: Bem-Te-Vi. Quanto: R$ 80



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