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LITERATURA
Textos e fragmentos selecionados pela neta expõem lado paradoxal do autor, que faria 80 anos em março
Livros inéditos de Hélio Pellegrino são publicados no Rio
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
De tão plural, ele se tornou singular. Obcecado pelos outros, não
deu conta de si, deixando inédita
uma vasta produção de poemas e
ensaios. "Homem-comício", segundo o grande amigo e também
exacerbado Nelson Rodrigues,
Hélio Pellegrino -que teria feito
80 anos em março passado, caso
um infarto não o tivesse derrotado em 1988- foi ainda um homem-paradoxo, característica
que parece indispensável aos
grandes homens.
Traços desse homem que era
católico, marxista, poeta e psicanalista estão expostos em dois livros agora lançados. "Lucidez
Embriagada" (Planeta) reúne textos do próprio Hélio selecionados
pela neta Antonia. "Arquivinho
Hélio Pellegrino" (Bem-Te-Vi)
une fragmentos da fragmentada
obra do autor, além de cartas, artigos, cronologia e desenhos de,
para e sobre ele. Haverá um lançamento conjunto em 10 de agosto,
na Livraria Argumento, no Leblon (zona sul do Rio).
Para Antonia, 24, mergulhar
nos arquivos de Hélio que estão
na Casa de Rui Barbosa, no Rio,
foi travar uma "relação imaginária com o avô que morreu".
Como perdeu o convívio com
ele aos oito anos, passou a ter um
"avô de papel", como escreve na
apresentação de "Lucidez Embriagada". Dos muitos papéis que
leu e das conversas com parentes
mais velhos, compôs um Hélio
que revestia suas contradições de
generosidade.
"Ele era um libertário na rua,
mas em casa não. Foi um marxista que se casou com uma milionária. Esses paradoxos eram elementos de uma personalidade angustiada. Mas ele se realizava
completamente na devoção pelo
outro. Tentava sempre entender
os lados opostos de uma situação", diz ela, socióloga e escritora.
Essa avaliação do avô a levou a
criar uma estrutura dialética do livro: a primeira parte se chama
"Hélio"; a segunda, "Outro"; a
terceira, "Encontro". Não por caso, o primeiro bloco é o menor, já
que Hélio falava mais de si dedicando-se aos outros. E o terço final é o maior, porque, fosse no
amor, na religião, na psicanálise
ou na política, a fraternidade entre as pessoas era a utopia buscada por ele.
"[Pellegrino] Tinha um único
objetivo, quase obsessão: lutar pela libertação de tudo o que, sendo
imposto ao Homem, o faz sofrer e
apequena sua vida", escreve Paulo Roberto Pires, autor da biografia "Hélio Pellegrino - A Paixão
Indignada", no perfil que consta
do "Arquivinho".
No campo político, tal obsessão
se manifestava numa luta destemida contra o autoritarismo, em
especial o da ditadura militar. Expoente dos protestos de 1968 ("O
povo está em praça pública, logo
está em sua casa" é uma frase sua
da época), Pellegrino fez parte das
comissões que foram recebidas
pelo governador do Rio, Negrão
de Lima, e pelo então presidente
da República, general Arthur da
Costa e Silva. Nos dois encontros,
foi extremamente incisivo. Acabou preso em dezembro, após a
decretação do AI-5.
"Ele era um intelectual voltado
para a vida pública, um intelectual que se sentia responsável pela
condução da vida nacional, algo
que praticamente não existe
mais", ressalta Antonia.
"Hélio se aliou a todos os movimentos em defesa dos oprimidos", resume o crítico teatral Sábato Magaldi.
Magaldi, 74, conheceu como
poucos o lado privado de Pellegrino. Os dois eram primos e, na Belo Horizonte de suas infâncias, os
separavam apenas duas quadras.
Ele foi um dos alvos de outra paixão de Hélio: os amigos.
Seus amigos-irmãos mais notórios são Fernando Sabino, Otto
Lara Resende e Paulo Mendes
Campos, os "quatro cavaleiros de
um íntimo apocalipse", como diziam. A relação entre eles está
eternizada nas cartas trocadas -
dois exemplos da correspondência com Otto estão no "Arquivinho" -, no disco "Os 4 Mineiros" e na produção literária de todos, em especial no romance "Encontro Marcado", de Sabino.
A produção de Pellegrino, aliás,
praticamente não houve. Publicou coisas esparsas em jornais e
coletâneas, mas só no fim da vida
conseguiu selecionar ensaios para
"A Burrice do Demônio", livro
publicado meses depois de sua
morte. Em 1994, Humberto Werneck organizou o volume de poemas "Minérios Domados".
"Se ele tivesse sido mais avarento, e não tão generoso, teria uma
obra mais ampla", diz Magaldi.
"Hélio exerceu uma influência
enorme sobre as pessoas, desempenhando um papel tão importante que o fez preterir sua própria obra", completa Lélia Coelho
Frota, editora e organizadora do
"Arquivinho".
LUCIDEZ EMBRIAGADA. Editora:
Planeta. Quanto: R$ 35
ARQUIVINHO HÉLIO PELLEGRINO.
Editora: Bem-Te-Vi. Quanto: R$ 80
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