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CINEMA
Diretor de "O Filho da Noiva", fenômeno de bilheteria latino-americano, lança "Lua de Avellaneda" na Argentina
Campanella volta a encarar o sucesso
CLÁUDIA DIANNI
DE BUENOS AIRES
O cineasta mais bem-sucedido
da Argentina na atualidade está
de volta às telas com um novo sucesso. Com uma outra história
simples e baseada em fatos reais,
Juan José Campanella, 44, o diretor de "O Filho da Noiva", enche
as salas novamente. Dessa vez
com "Lua de Avellaneda", que deve estrear no Brasil em novembro.
O filme, que em dez semanas já
foi visto por 900 mil argentinos,
conta a história de Lua de Avellaneda, um clube de bairro que já
teve dias de glamour, mas, endividado, corria o risco de ser comprado por uma multinacional e
ser substituído por um cassino.
A semelhança com a história recente da Argentina não é mera
coincidência. "Os problemas da
célula são os problemas do corpo", diz Campanella. Mas ele afirma que não forçou a mensagem.
"A metáfora surgiu naturalmente,
como em "O Filho da Noiva"."
Em café de Buenos Aires, o mesmo onde escreveu com Fernando
Castets o roteiro do novo filme,
Campanella concedeu entrevista
à Folha, em que conta as discussões sociais que "Lua de Avellaneda" tem provocado na Argentina,
onde já foram aprovadas leis municipais para proibir o embargo
de clubes e uma lei para fixar cotas mínimas para o cinema nacional. Tudo por causa do filme.
Folha - "Lua de Avellaneda" conta a história do esforço da comunidade para preservar um clube de
bairro. O que esse filme tem a ver
com "O Filho da Noiva", que tratava do esforço de Rafael para não
deixar falir o restaurante do pai?
Juan José Campanella - A maior
semelhança é o tom, meio agridoce, que, para mim, é o tom de Buenos Aires, o tom de drama do tango e de comédia permanente. "O
Filho da Noiva" é sobre a necessidade da família, e "Lua" é sobre a
necessidade da dignidade.
Folha - Qual é a história real que
você conta em Lua de Avellaneda?
Campanella - Trata-se de do Clube de Llavallol, um bairro no sul
de Buenos Aires. Não está em
Avellaneda. Todas as histórias são
realidade. No filme, não se fala no
país, mas ele está presente o tempo todo. Claro que, enquanto escrevíamos o roteiro, dizíamos,
"Che, isso é muito simbólico, a dívida do clube e a dívida externa".
Em algum momento, tivemos um
pouco de medo de cair nessa intenção de dar uma mensagem.
Mas depois percebemos que qualquer coisa que mudássemos já
não seria real. Então deixamos,
porque os problemas das células
são os problemas do corpo.
Folha - Você fez sua carreira nos
Estados Unidos. Por que resolveu
voltar para a Argentina?
Capanella - Comecei estudando
cinema aqui em Buenos Aires,
mas depois fui estudar Belas Artes
na Universidade de Nova York,
onde fiz meu primeiro filme, "O
Menino que Gritou Puta". Depois
trabalhei muito para a televisão.
Agora estou dirigindo a série policial de TV "Lei e Ordem". Fiz
também um outro filme nos EUA,
que se chama "Nem o Tiro do Final". Os dois foram fracassos rotundos. Depois de 14 anos, comecei a sentir muita falta da Argentina e voltei em 1997. Aqui, me encontrei com Fernando Castets e o
ator Eduardo Blanco, de quem
sou amigo há muitos anos. Foi
quando fizemos "O Mesmo
Amor, A Mesma Chuva". Ao terminarmos o filme, no começo de
1999, percebi que queria ficar.
Folha - Esperava o sucesso que
fez "O Filho da Noiva"?
Campanella - Sinceramente não.
Na verdade, todos pensávamos
que ia ser um fracasso. Não era
comercial. Era uma história do
amor de dois velhos, muito triste.
A Warner não quis saber de "O
Filho da Noiva". Disseram que
ninguém ia ver. Mas agora eles estão fazendo um remake com o
Adam Sandler. Ofereceram-me a
direção, mas não creio que possa
dirigir o mesmo filme duas vezes.
Folha - Por que o cinema vive
uma fase tão boa na Argentina? Há
uma estética nova ou é o momento
social?
Campanella - No final dos anos
80, começou o boom das escolas
de cinema na Argentina, onde há
mais escolas de cinema do que em
toda a Comunidade Européia.
São 15 mil estudantes. Naturalmente, isso começou a melhorar a
qualidade. Mas o novo cinema argentino é como o peronismo, alberga tantas tendências que perdeu o significado. Tem gente boa
como Pablo Trapero, de "El Bonaerense" ("Do Outro Lado da
Lei"), e outros que aspiram ter
público. Mas também há um cinema que continua sendo chamado independente, mas é muito
ruim.
Folha - Apesar do sucesso, você
recebe muitas críticas das revistas
especializadas na Argentina por fazer cinema comercial.
Campanella - Há os que defendem um cinema muito alternativo, que chamam de independente
ou cinema de arte e, obviamente,
atacam o cinema industrial. Então começou essa falsa dicotomia
entre a arte elitista ou a merda popular. Aparecemos nós, e o Fabián Belinski, com "Nove Rainhas", e mostramos o contrário.
Nossos filmes são industriais e
bem feitos. Estamos em uma etapa em que o cinema argentino é
moda, merecidamente, mas, nos
festivais, não passou ao público.
São os filmes comerciais que geram a indústria do cinema e permitem que o cara faça um filme
com dois pesos, sem pagar as pessoas, sem poder ter mais semanas
para filmar com mais qualidade.
Falta de dinheiro também é dependência. O cinema como produto da elite não me interessa.
Não acredito nessa dicotomia de
que ou o filme é comercial ou é de
arte, que pode ser bom, mas tem a
preocupante característica de espantar as pessoas dos cinema. O
que aconteceu com a crítica nos
últimos dez anos é nefasto. Mataram o cinema popular e entregaram o mercado de entretenimento aos americanos.
Folha - O que acha do cinema feito no Brasil?
Campanella - Conheço pouco.
Não chegam aqui. Nós, latino-americanos, somos um desastre
para nos relacionarmos. Os filmes
brasileiros passam nos festivais.
Se você não vai aos festivais, não
vê. Vi "Central do Brasil", do Walter Salles, e gostei muito. É uma
história clássica, mas contada de
uma maneira diferente, que agrega um condimento emocional e
social do Brasil. O Brasil parece o
melhor lugar do mundo para cinema. Eu tenho clubes para mostrar, se tivesse os batuques e essas
procissões maravilhosas... (risos).
Walter Salles foi o único diretor
no mundo que, sem me conhecer,
me mandou um e-mail para me
dar os parabéns pela indicação ao
Oscar de "O Filho da Noiva".
Nem os argentinos fizeram isso.
Folha - Quem são seus ídolos?
Campanella - Billy Wilder, Frank
Capra, Ernst Ludwig, Bob Fosse,
Federico Fellini e comédia italiana, que eu adoro.
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