São Paulo, sábado, 31 de julho de 2004

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CINEMA

Diretor de "O Filho da Noiva", fenômeno de bilheteria latino-americano, lança "Lua de Avellaneda" na Argentina

Campanella volta a encarar o sucesso

CLÁUDIA DIANNI
DE BUENOS AIRES

O cineasta mais bem-sucedido da Argentina na atualidade está de volta às telas com um novo sucesso. Com uma outra história simples e baseada em fatos reais, Juan José Campanella, 44, o diretor de "O Filho da Noiva", enche as salas novamente. Dessa vez com "Lua de Avellaneda", que deve estrear no Brasil em novembro.
O filme, que em dez semanas já foi visto por 900 mil argentinos, conta a história de Lua de Avellaneda, um clube de bairro que já teve dias de glamour, mas, endividado, corria o risco de ser comprado por uma multinacional e ser substituído por um cassino.
A semelhança com a história recente da Argentina não é mera coincidência. "Os problemas da célula são os problemas do corpo", diz Campanella. Mas ele afirma que não forçou a mensagem. "A metáfora surgiu naturalmente, como em "O Filho da Noiva"."
Em café de Buenos Aires, o mesmo onde escreveu com Fernando Castets o roteiro do novo filme, Campanella concedeu entrevista à Folha, em que conta as discussões sociais que "Lua de Avellaneda" tem provocado na Argentina, onde já foram aprovadas leis municipais para proibir o embargo de clubes e uma lei para fixar cotas mínimas para o cinema nacional. Tudo por causa do filme.
 

Folha - "Lua de Avellaneda" conta a história do esforço da comunidade para preservar um clube de bairro. O que esse filme tem a ver com "O Filho da Noiva", que tratava do esforço de Rafael para não deixar falir o restaurante do pai?
Juan José Campanella -
A maior semelhança é o tom, meio agridoce, que, para mim, é o tom de Buenos Aires, o tom de drama do tango e de comédia permanente. "O Filho da Noiva" é sobre a necessidade da família, e "Lua" é sobre a necessidade da dignidade.

Folha - Qual é a história real que você conta em Lua de Avellaneda?
Campanella -
Trata-se de do Clube de Llavallol, um bairro no sul de Buenos Aires. Não está em Avellaneda. Todas as histórias são realidade. No filme, não se fala no país, mas ele está presente o tempo todo. Claro que, enquanto escrevíamos o roteiro, dizíamos, "Che, isso é muito simbólico, a dívida do clube e a dívida externa". Em algum momento, tivemos um pouco de medo de cair nessa intenção de dar uma mensagem. Mas depois percebemos que qualquer coisa que mudássemos já não seria real. Então deixamos, porque os problemas das células são os problemas do corpo.

Folha - Você fez sua carreira nos Estados Unidos. Por que resolveu voltar para a Argentina?
Capanella -
Comecei estudando cinema aqui em Buenos Aires, mas depois fui estudar Belas Artes na Universidade de Nova York, onde fiz meu primeiro filme, "O Menino que Gritou Puta". Depois trabalhei muito para a televisão. Agora estou dirigindo a série policial de TV "Lei e Ordem". Fiz também um outro filme nos EUA, que se chama "Nem o Tiro do Final". Os dois foram fracassos rotundos. Depois de 14 anos, comecei a sentir muita falta da Argentina e voltei em 1997. Aqui, me encontrei com Fernando Castets e o ator Eduardo Blanco, de quem sou amigo há muitos anos. Foi quando fizemos "O Mesmo Amor, A Mesma Chuva". Ao terminarmos o filme, no começo de 1999, percebi que queria ficar.

Folha - Esperava o sucesso que fez "O Filho da Noiva"?
Campanella -
Sinceramente não. Na verdade, todos pensávamos que ia ser um fracasso. Não era comercial. Era uma história do amor de dois velhos, muito triste. A Warner não quis saber de "O Filho da Noiva". Disseram que ninguém ia ver. Mas agora eles estão fazendo um remake com o Adam Sandler. Ofereceram-me a direção, mas não creio que possa dirigir o mesmo filme duas vezes.

Folha - Por que o cinema vive uma fase tão boa na Argentina? Há uma estética nova ou é o momento social?
Campanella -
No final dos anos 80, começou o boom das escolas de cinema na Argentina, onde há mais escolas de cinema do que em toda a Comunidade Européia. São 15 mil estudantes. Naturalmente, isso começou a melhorar a qualidade. Mas o novo cinema argentino é como o peronismo, alberga tantas tendências que perdeu o significado. Tem gente boa como Pablo Trapero, de "El Bonaerense" ("Do Outro Lado da Lei"), e outros que aspiram ter público. Mas também há um cinema que continua sendo chamado independente, mas é muito ruim.

Folha - Apesar do sucesso, você recebe muitas críticas das revistas especializadas na Argentina por fazer cinema comercial.
Campanella -
Há os que defendem um cinema muito alternativo, que chamam de independente ou cinema de arte e, obviamente, atacam o cinema industrial. Então começou essa falsa dicotomia entre a arte elitista ou a merda popular. Aparecemos nós, e o Fabián Belinski, com "Nove Rainhas", e mostramos o contrário. Nossos filmes são industriais e bem feitos. Estamos em uma etapa em que o cinema argentino é moda, merecidamente, mas, nos festivais, não passou ao público.
São os filmes comerciais que geram a indústria do cinema e permitem que o cara faça um filme com dois pesos, sem pagar as pessoas, sem poder ter mais semanas para filmar com mais qualidade. Falta de dinheiro também é dependência. O cinema como produto da elite não me interessa. Não acredito nessa dicotomia de que ou o filme é comercial ou é de arte, que pode ser bom, mas tem a preocupante característica de espantar as pessoas dos cinema. O que aconteceu com a crítica nos últimos dez anos é nefasto. Mataram o cinema popular e entregaram o mercado de entretenimento aos americanos.

Folha - O que acha do cinema feito no Brasil?
Campanella -
Conheço pouco. Não chegam aqui. Nós, latino-americanos, somos um desastre para nos relacionarmos. Os filmes brasileiros passam nos festivais. Se você não vai aos festivais, não vê. Vi "Central do Brasil", do Walter Salles, e gostei muito. É uma história clássica, mas contada de uma maneira diferente, que agrega um condimento emocional e social do Brasil. O Brasil parece o melhor lugar do mundo para cinema. Eu tenho clubes para mostrar, se tivesse os batuques e essas procissões maravilhosas... (risos). Walter Salles foi o único diretor no mundo que, sem me conhecer, me mandou um e-mail para me dar os parabéns pela indicação ao Oscar de "O Filho da Noiva". Nem os argentinos fizeram isso.

Folha - Quem são seus ídolos?
Campanella -
Billy Wilder, Frank Capra, Ernst Ludwig, Bob Fosse, Federico Fellini e comédia italiana, que eu adoro.


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