São Paulo, sexta-feira, 31 de julho de 2009

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CINEMA/ESTREIAS

Crítica/"À Deriva"

Novo longa evidencia salto de Heitor Dhalia

Diretor cresce com filme "tateante", mas de dramaturgia convencional

RICARDO CALIL
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

No campeonato norte-americano de basquete da NBA (National Basketball Association), existe uma premiação que reconhece o jogador que mais evoluiu na temporada. Não o melhor, nem o maior pontuador, mas aquele que progrediu de maneira mais evidente. Se houvesse distinção semelhante no cinema brasileiro, Heitor Dhalia mereceria o prêmio.
De "Nina" (2004), a equivocada estreia de Dhalia em longa-metragem, houve um salto para "O Cheiro do Ralo" (2007), que tinha virtudes e problemas de tamanhos equivalentes. Deste último para "À Deriva", seu novo trabalho, há um salto ainda maior.
Dhalia é um diretor que parecer absorver os pontos de vista de seus protagonistas. Em "Nina" e "O Cheiro do Ralo", adaptações do russo Fiódor Dostoiévski e do brasileiro Lourenço Mutarelli respectivamente, eles eram misantropos, pessoas que odeiam a humanidade. Deles, Dhalia herdou uma certa aversão por seus personagens e uma visão pronta -e bastante negativa- do mundo.
Em "À Deriva", a protagonista é a adolescente Filipa (Laura Neiva, em estreia luminosa), que, durante férias de verão em Búzios, se vê às voltas com a descoberta do sexo e de uma crise na relação dos pais. Enquanto tenta entender o que sente pelos meninos da praia, ela flagra seu pai (o francês Vincent Cassel, pouco à vontade interpretando em português) traindo a mãe (Débora Bloch, que nos lembra ser uma bela atriz de cinema) com uma turista americana (Camilla Belle). De uma hora para outra, Filipa precisa recompor seu mundo fora da zona de conforto e de certezas da infância.
Algo parecido acontece com a direção de Dhalia, que trabalha pela primeira vez longe do registro do cinismo e do distanciamento dos personagens. "À Deriva" é um filme tateante, tanto por buscar algo que não sabe exatamente onde está quanto por ter uma câmera que acarinha a todo momento sua protagonista. Essa indefinição e essa ternura fazem muito bem a Dhalia.
Nesse sentido "tátil", "À Deriva" parece tentar se aproximar do cinema sensorial da argentina Lucrécia Martel ("O Pântano", "A Menina Santa"), mas fica no meio do caminho por conta de uma dramaturgia bastante convencional, que sublinha com palavras sentimentos já devidamente sugeridos pelas imagens. Se tivesse metade dos diálogos, o filme seria melhor. Mas seria injusto não notar que Dhalia deu mais um passo largo para se tornar um bom cineasta.
Ele já demonstra a virtude da compaixão pelos personagens. Agora falta o da rarefação da narrativa.


À DERIVA

Direção: Heitor Dhalia
Produção: Brasil, 2009
Com: Debora Bloch, Laura Neiva, Vincent Cassel
Onde: em cartaz no Espaço Unibanco Pompeia, Reserva Cultural e circuito
Classificação: 14 anos
Avaliação: bom




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