São Paulo, sábado, 31 de julho de 2010 |
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CRÍTICA ROMANCE Rushdie ganha o jogo em livro sobre games
Inspirado na linguagem tecnológica, autor indiano recupera a concretude das palavras em "Luka e o Fogo da Vida"
NOEMI JAFFE COLABORAÇÃO PARA A FOLHA Para uma criança, que ainda não desenvolveu a capacidade de abstração, expressões como "o ciúme secreto" e "torrente de palavras" soam como uma cachoeira de onde literalmente escorre um lugar oculto onde o ciúme se esconde. É a essa literalidade perdida depois que os adultos mordem a maçã do conhecimento que muitos artistas tentam voltar. Salman Rushdie, num texto-jogo, "Luka e o Fogo da Vida", consegue recuperar a concretude das palavras, lançando o leitor num jogo de narrativas mitológicas misturadas a videogame, onde as coisas são exatamente o que querem dizer. Ali, no mundo da Magia, mais do que no mundo da realidade, as palavras têm mais poder do que as ações. Mas, para Luka, sonhador corajoso que equilibra astúcia e inteligência e é filho de um grande contador de histórias, Rashid, as palavras sempre tiveram importância. Por causa de uma praga rogada ao dono do circo, Aag, praga que acaba se cumprindo somente pela força das palavras de Luka, seu pai adormece num sono profundo, como vingança perpetrada pelo vilão. NÍVEL NOVE Em busca do Fogo da Vida, que devolverá a vigília a seu pai, Luka atravessa o Mundo Mágico e vai salvando vidas e subindo níveis, até o temido nível nove, onde ninguém jamais chegou. Para isso, ele conta com a ajuda de Urso, o cão, e de Cão, o urso, de dois elefantes-pato, que voam, nadam e cuidam da Memória, uma Lonttra e o espectro transparente de seu pai, que vai se solidificando e roubando a vida ao pai cada vez que Luka falha. Mas Luka detém um segredo: aquele mundo foi inventado por seu pai. As personagens das histórias de seu pai efetivamente existem, mas, ainda assim, dependem da linguagem da invenção. Daí a pergunta fundamental do livro: onde fica a fronteira e até que ponto as coisas de um mundo não penetram no outro? Como exemplo, o mundo da Magia foi contaminado por ratos que mantêm a Segurança (certamente advindos da Realidade) e, lá, os guardiões do Fogo da Vida são o Passado, o Presente e o Futuro, que insistem em seguir o tempo linear. Com isso, impedem os exercícios essenciais da vagabundagem, da preguiça e da perda de tempo. Da história, participam também Borges, Calvino e Lewis Carrol, atravessando bravamente o outro lado de um videogame que pode não ser assim tão deletério quanto querem muitas cabeças pensantes que se esqueceram do lado de lá. LUKA E O FOGO DA VIDA AUTOR Salman Rushdie TRADUÇÃO José Rubens Siqueira EDITORA Companhia das Letras QUANTO R$ 33 (208 págs.) AVALIAÇÃO ótimo PAINEL DAS LETRAS Excepcionalmente hoje não é publicada a coluna Texto Anterior: Frase Próximo Texto: Críticas/Memórias: Alusão a Borges não esconde defeitos de novo Paulo Coelho Índice |
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