São Paulo, sexta, 31 de julho de 1998

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ARTE NA PRISÃO
Gravadora levou caminhão com estúdio móvel para o meio da Casa de Detenção; disco sai na segunda
Compor na cadeia é fácil; duro é gravar CD

da Reportagem Local

Compor as músicas, mesmo morando em celas diferentes, até que foi fácil. A parte complicada foi gravar um CD de 11 músicas sem sair uma única vez do Carandiru.
Pois o grupo Detentos do Rap conseguiu esse feito e seu CD de estréia, "Apologia ao Crime", será lançado pela gravadora Fieldzz nessa segunda-feira.
A música de trabalho, "Casa Cheia", tem o refrão: "O Carandiru está de casa cheia. Muita maldade no ar, muita droga na veia".
O grupo é formado por cinco rapazes do Pavilhão 5 da Casa de Detenção. Daniel Sancy, 21, com cinco anos a cumprir, é o vocalista. Ronaldo da Silva, Eduardo Fonseca e Marcos José dos Santos, todos com 23 anos, fazem o refrão.
O quinto integrante, Leonardo Lopes Cruz, 27, é uma espécie de empresário para questões internas da Detenção. O que isso significa, nem eles sabem explicar.
"Eles têm a lei deles, nós temos a nossa. Preferi não interferir", explica Iraí Campos, 38, o diretor da Fieldzz, que descobriu a banda e produziu o CD. Por via das dúvidas, para a capa do disco, Campos escolheu uma foto apenas com os quatro primeiros.
A gravação de "Apologia ao Crime" exigiu um processo inédito. Sentindo dificuldades para retirar os presos e levá-los para um estúdio, Campos resolveu levar o estúdio para o Carandiru.
Em primeiro lugar, o diretor gravou as vozes em um equipamento amador. Para guiar os músicos, apenas uma bateria eletrônica. "Joguei as vozes no computador e chamei dois produtores, DJ Easy Nylon e Luciano, para criar as bases das músicas".
Em seguida, mandou aos grupo um CD apenas com as bases, sem vozes. "Dei também um aparelho de CD portátil para eles poderem ouvir e ensaiar por 15 dias."
Faltava apenas gravar as vozes com equipamento profissional. Campos conseguiu autorização para ocupar por alguns dias o escritório onde advogados conversam com os presos. Tirou as mesas e tampou a janela com um bloco de espuma para isolar o som.
Armou o microfone num canto da sala e colou em volta mais blocos da mesma espuma. Por último, trouxe um caminhão com um estúdio móvel na carroceria, ligou cabos e mais cabos até o escritório e gravou as vozes em dois dias. O uso do equipamento custou R$ 8.000. Depois foi só juntar as bases com as vozes e imprimir o CD.
A banda não deve fazer shows, pelo menos até que alguns integrantes sejam libertados.
Coincidentemente, um deles, Marcos José dos Santos, foi solto no dia em que a Folha esteve no Carandiru entrevistando a banda, na semana passada. "Nossa! O ar aqui da fora é mais puro", comentou após dois anos e três meses preso. (IVAN FINOTTI)



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