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São Paulo, domingo, 31 de agosto de 2003

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DALÍ, ame-o ou deixe-o

Folha Imagem
O pintor espanhol Salvador Dalí (1904-89), cujo centenário de nascimento será celebrado por quase dois anos, com exposições, concertos e exibições de filmes



Espanha celebrarará centenário do pintor; publicação de escritos inéditos está prevista


IVAN PADILLA
FREE-LANCE PARA A FOLHA, EM BARCELONA

Salvador Dalí (1904-89) tornou-se tão célebre pela complexidade de sua arte como pelas atitudes extravagantes de sua vida pessoal. Essa projeção internacional da obra e da vida do pintor espanhol explica a longa duração das comemorações do centenário de seu nascimento, em 2004.
Serão quase dois anos de exposições itinerantes, concertos, exibições de filmes e documentários no cinema e na TV e lançamentos de livros na Espanha, na Itália, nos EUA e no Japão, entre outros.
As celebrações oficiais terão início ainda neste ano, em 6 de outubro, no Teatro-Museu Dalí em Figueiras, cidade onde o artista nasceu. O ato inaugural será presidido pelo rei da Espanha.
Duas grandes exposições marcarão o centenário. A principal, chamada "Dalí", com suas principais obras, será exibida em Veneza e na Filadélfia. A outra, "Dalí e a Cultura de Massas", abordará a relação do artista com cinema, moda, fotografia e publicidade e passará por Barcelona e Madri (Espanha), São Petersburgo (EUA) e Roterdã (Holanda).
Os escritos de Dalí, muitos deles inéditos, serão publicados em oito volumes pela editora Destino. Farão parte da coleção a autobiografia do pintor, escrita entre as décadas de 40 e 60, poemas, roteiros para teatro e cinema, ensaios e cartas trocadas com artistas e pensadores do século 20.
A editora Planeta colocará à venda uma edição de luxo, com pouco mais de 900 exemplares, do livro "Dom Quixote", de Miguel de Cervantes (1547-1616), em edição de Martí de Riquer, com ilustrações que Dalí realizou em 1945.
"Dalí é conhecido no mundo inteiro por sua pintura e por sua vida pessoal cercada de polêmicas. Queremos aproveitar esse interesse para divulgar aspectos menos conhecidos de sua obra, como a literatura, o cinema e a cenografia", afirma Montserrat Aguer, diretora da Fundação Gala-Salvador Dalí, que administra o legado do artista, e coordenadora dos eventos comemorativos.
Para os biógrafos, a excentricidade de Dalí era também uma forma de marketing pessoal. "As atitudes pouco convencionais ajudavam a criar uma aura de loucura em torno dele, e isso valorizava seus quadros", diz Ian Gibson, autor de "A Vida Desaforada de Salvador Dalí". Silvia Munt, diretora do documentário "Helena Dimitrievna Diakonova Gala", sobre a musa inspiradora e companheira de Dalí, concorda com a tese. "Dalí era o artista, e Gala, o cérebro. Ela dizia como o artista tinha de se portar, incentivava suas excentricidades, fazia os contatos, cuidava da agenda social. No final, construiu um mito."
Quase tão polêmico quanto Dalí, o grupo de teatro La Fura dels Baus homenageará o pintor no próximo ano. A bordo de um barco, a trupe viajará pelo mar Mediterrâneo. As apresentações dalinianas acontecerão em portos ornamentados com cem ovos gigantes, que à noite se transformarão em cem olhos de argonautas.

Buñuel e García Lorca
Dalí começou a pintar aos 13 anos. Em 1922, ingressou na Academia San Fernando, em Madri, e mudou-se para a residência de estudantes, onde conheceu Federico García Lorca e Luis Buñuel. Com Buñuel, escreveria anos mais tarde o roteiro do filme "Um Cão Andaluz". Com o poeta Lorca, homossexual assumido, viveria uma relação de amor -platônica. Naquele tempo, Dalí sofria forte influência do cubismo.
Em 1929, viajou para Paris, onde conheceu o pintor catalão Joan Miró e passou a conviver com os surrealistas, liderados por André Breton. Durante uma visita do grupo a Cadaqués, onde a família do pintor tinha uma casa de praia, conheceu Gala, então mulher do poeta Paul Éluard. Dalí, virgem na época, apaixonou-se pela mulher do amigo, dez anos mais velha.
O romance provocou uma crise familiar. Ao ser expulso de casa, Dalí enviou a seu pai uma caixa contendo uma amostra do próprio sêmen e um bilhete: "Nada lhe devo". Também iniciou um processo de afastamento da escola surrealista. Ao ser comunicado da expulsão do grupo, comentou: "Toleraram até certo ponto meus elementos escatológicos. Autorizaram-me a usar sangue. Poderia acrescentar um pouco de excremento. Mas não poderia usar apenas excremento".
Em 1940, fugindo da Segunda Guerra, Dalí e Gala mudaram-se para Nova York. O casal viveu durante oito anos nos EUA. Nesse período, ele escreveu o roteiro de "Spellbound" ("Quando Fala o Coração", 1945) com Alfred Hitchcock e ajudou na criação do desenho "Destino", de Walt Disney (leia texto nesta página).
Ao voltar para a Espanha, passou a se dizer católico praticante -a religião tornou-se tema de obras- e se posicionou a favor do ditador Francisco Franco. Anos antes, suas representações de Hitler em corpo de mulher foram interpretadas como um gesto de simpatia em relação ao Führer.
Nos anos 60 e 70, o pintor aprofundou o interesse pelas ciências naturais. Nos anos 80, por autores clássicos, como Velásquez e Michelangelo. Em 82, morreu Gala. Em 86, Dalí posou para a capa da revista americana "Vanity Fair" com uma cruz de santa Isabel e o tubo nasal pelo qual se alimentou por quatro anos.


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