São Paulo, Terça-feira, 31 de Agosto de 1999
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"500 almas" guatós ganham documentário

Divulgação
Conhecidos por "canoeiros", os guatós são tea de longa de Joel Pizzini



Filme narra história de índios tidos como extintos e que vivem na região do Pantanal


RUBENS VALENTE
da Agência Folha, em Campo Grande

Atacados pelos bandeirantes paulistas no século 18, vítimas de doenças como gripe, tuberculose e varíola, os índios guatós, do Pantanal mato-grossense (Mato Grosso do Sul e Mato Grosso), foram considerados extintos há 40 anos. Tiveram seu "atestado de óbito" passado pelo antropólogo Darcy Ribeiro, em seu livro "Culturas e Línguas Indígenas do Brasil" (1957), o que hoje é considerado um grande erro da antropologia brasileira.
Duas décadas depois, os guatós não só foram redescobertos -por uma irmã salesiana- morando em bairros pobres de Corumbá (MS), como ainda conseguiram, após uma longa disputa judicial, a posse de parte de seu território tradicional, a ilha de Ínsua, isolada no Pantanal.
A história desses índios é o tema de um documentário em longa-metragem, "500 Almas", dirigido pelo cineasta sul-mato-grossense Joel Pizzini, 38.
A direção de fotografia é do veterano Mário Carneiro, que trabalhou com Glauber Rocha no documentário "Di", sobre o pintor Di Cavalcanti.
Cerca de 70% das imagens do filme, produzido pela Grifa Cinematográfica, a mesma de "Três Chapadas e um Balão", já foram feitas, em Corumbá (MS) e na ilha de Ínsua. Resta fazer as tomadas no Museu Etnográfico de Berlim, uma parte ficcional em São Paulo e cenas com o poeta Manoel de Barros, que faz menção aos guatós em alguns de seus livros.
Apesar da dramaticidade da história, quem esperar por um documentário puramente de "denúncia" pode se decepcionar. Pizzini, autor de curtas que tiveram boa carreira em festivais nacionais e internacionais ("Enigma de Um Dia" foi o melhor curta no Festival de Gramado de 96), optou por fazer um filme atemporal, centrando seu foco na relação dos guatós com a natureza, mas sem deixar de tocar nos aspectos mais cruciais da trajetória dos índios, como a morte de um de seus líderes, nos anos 70, e a dispersão da etnia pelo Pantanal.

Canoeiros nômades
Pizzini procura imprimir ao filme o que ele chama de "etno-poesia". "Eu me interesso pelo modo de vida do guató e sua relação com o Pantanal", disse o cineasta.
A água será um ponto importante no filme. Os guatós eram conhecidos como "canoeiros". Nômades, eles transitavam por todo o Pantanal, principalmente nos rios Paraguai e São Lourenço. Tinham também habitações em locais específicos, onde viviam em núcleos familiares durante alguns meses do ano.
Pizzini se inspirou nos rios do Pantanal para formular a própria estrutura do filme, descrita como "um fluxo contínuo de sequências entrecortadas por ilhas".
"A ilha é um nó que amarra momentaneamente o fluxo e representa os locais de disputa e conflito", descreve o cineasta. Os fluxos serão uma sequência de acontecimentos ou "desacontecimentos", como mostrar os índios fazendo suas tarefas diárias.
Outro elemento da cultura guató que deve ser destacado por Pizzini é a língua, "quase musical". Segundo o último censo da Funai, de 1987, existem oficialmente 700 índios guatós no Mato Grosso do Sul. Desses, foram localizados pouco mais de 20 que ainda falam a língua. "Pretendo mapear os vestígios que atestam o valor dessa cultura", disse o cineasta.
Os índios guatós povoam o imaginário de Pizzini, a sua "arqueologia afetiva", como ele chama, desde a infância. A história dos índios canoeiros que habitavam os pantanais soava a ele quase como uma lenda. Mesmo depois de serem redescobertos, em 1976, pela irmã salesiana Ada Gambarotto, os índios ainda pareciam a Pizzini "uma imagem vaga, intangível".
"Talvez meu interesse por essa cultura passe primeiro pelo enigma da memória. Intrigava-me algo que era dado como desaparecido e de repente ressurgia. Passa também pela necessidade de perseguir indícios de uma identidade e pelo fascínio de uma cultura longínqua, conhecida por reger os mistérios da água", disse Pizzini.


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