São Paulo, Terça-feira, 31 de Agosto de 1999
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DESCOBERTA
Primeiro registro histórico foi feito por espanhol em 1543
Guatós vivem no Pantanal há mil anos, revela teste

Divulgação
Índios da etnia guató em registro do começo do século


da Agência Folha, em CampoGrande


Um teste laboratorial feito nos Estados Unidos em restos de cerâmica e alimentos encontrados no morro de Caracará, em Poconé (MT), revelou que os índios guatós habitavam o Pantanal desde antes do século 11.
O arqueólogo Jorge Eremites de Oliveira, do Centro Universitário Federal de Mato Grosso do Sul em Dourados (Ceud), que participou do recolhimento dos restos, junto com pesquisadores americanos, disse que a datação, feita por carbono 14, é a mais antiga em relação aos guatós.
Oliveira, autor do livro "Guató: Argonautas do Pantanal" (1996), é responsável por uma descoberta que deverá fazer mudar o mapa oficial da Funai (Fundação Nacional do Índio): ele encontrou, no mesmo morro de Caracará (MT), quatro índios guatós que disseram viver ali há décadas. A Funai só registra a presença de guatós no Mato Grosso do Sul.
Os quatro guatós desgarrados também deverão aparecer no documentário "500 Almas", no qual Eremites trabalhou como consultor arqueológico.
O primeiro registro conhecido dos guatós é do conquistador espanhol Álvar Nuñez Cabeza de Vaca, em 1543. Em seus "Comentários", Cabeza de Vaca se refere aos guatós como "guatás", palavra que ouviu dos guaranis que o acompanhavam e significa algo como "aqueles que se movem".
Desde então os espanhóis entraram no Pantanal pelo rio Paraguai com índios guaranis escravizados de Assunção. Segundo Oliveira, os guatós eram inimigos históricos dos guaranis, e a chegada dos espanhóis acirrou o conflito.
No início do século 18, com a exploração de minas de ouro pelos bandeirantes paulistas onde hoje está Cuiabá, capital de Mato Grosso, houve uma nova onda de ataques aos guatós.
Oliveira disse que há registros históricos de que os guatós morreram "às centenas", pelas mãos dos bandeirantes e de doenças como gripe, tuberculose e sarampo.
Nesse período, outros povos do Pantanal, como os paiaguás e os guaxarapos, não resistiram ao avanço dos bandeirantes e conquistadores de origem ibérica e acabaram exterminados.
No início do século 20, o antropólogo alemão Max Schimidt fez os primeiros estudos arqueológicos sobre os guatós, recolhendo peças de cerâmica que hoje estão no Museu Etnológico de Berlim.
A linguista brasileira Adair Pimentel Palácio fez os estudos linguísticos mais conhecidos sobre a língua guató nos anos 70 e 80.
Para Eremites, o antropólogo Darcy Ribeiro errou ao considerar os guatós extintos porque não realizou pesquisas de campo, confiando só em dados do antigo Serviço de Proteção ao Índio.
O erro, segundo ele, provocou "enorme e terrível impacto negativo sobre os guatós, porque o Estado oficializou-os como extintos e omitiu-se de qualquer ação que pudesse beneficiá-los".
Só em 1976 a irmã salesiana Ada Gambarotto "reencontrou" os índios, de uma maneira prosaica.
Ela comprava artesanato indígena em Corumbá (MS) quando reparou em uma peça cuja cultura desconhecia. Quis saber quem a tinha feito e recebeu o endereço da que seria identificada como uma guató morando num bairro pobre da cidade. A índia lhe apresentou outros membros da etnia.


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