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Crítica/"Procedimento Operacional Padrão"
Morris cria perturbador ensaio sobre a gênese do mal
Documentário revê fotos de tortura no Iraque, mas faz merchandising estranho
PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA
Os filmes de Errol Morris costumam se apropriar de um episódio
ou de um personagem para desenvolver idéias que vão além
do "objeto" explorado. Morris
não quer defender uma tese,
mas provocar reflexão a partir
de alguns fatos. Para tanto, recorre a ferramentas típicas do
cinema documental (a entrevista, a reconstituição), mas
não almeja um efeito realista
ou pseudo-realista. Seus filmes
são assumidamente cerebrais,
situados em outro campo que
não é nem o da reportagem
nem o do "cinema-verdade".
"Procedimento Operacional
Padrão" não é diferente. O episódio em questão são as torturas e abusos realizados pelos
soldados americanos na prisão
de Abu Ghraib, durante a Guerra do Iraque. Essas torturas foram documentadas pelos próprios soldados, armados com
máquinas fotográficas digitais.
As imagens produzidas "vazaram" e provocaram escândalo.
O episódio de Abu Ghraib ganhou um contorno todo especial no contexto de uma guerra
de imagens controladas, em
que pouco se viu de suas conseqüências físicas (ao contrário
da Guerra do Vietnã, por exem-plo). A guerra que se pretendia
etérea ganhou corporalidade.
Morris alterna entrevistas
com os soldados envolvidos no
episódio a análises detalhadas
das fotos, construindo um perturbador ensaio sobre a banalidade do mal e a natureza das
imagens digitais. Por que aquelas fotos foram tiradas? Arrogância de quem acha que nada
vai acontecer com eles? Desejo
insconsicente (ou não) de que
aquelas barbaridades fossem
descobertas? A pergunta mais
forte, no entanto, é a seguinte:
por que uma das meninas que
participa das ações sempre
aparece sorrindo e com o polegar em riste, em sinal positivo,
diante das situações mais constrangedoras e bárbaras?
Ruídos prolongados
Existem, entretanto, dois
elementos estranhos que não
poderiam passar em branco.
São detalhes que acabam como
ruídos no fim da projeção, principalmente para quem conhece
a obra de Morris.
Um deles é de ordem puramente formal e diz respeito à
música. A trilha sonora de Philip Glass sempre foi um dos elementos fundamentais na construção da atmosfera dos filmes
de Morris, mas em "Procedimento Operacional Padrão" o
músico foi substituído por
Danny Elfman, que tenta simular o minimalismo de Glass,
sem o mesmo efeito.
O outro ruído está no "conteúdo". Vemos o imenso logotipo da Sony Pictures Classics
preceder a projeção do filme, e
pouco depois sabemos, pelo
próprio documentário, que
parte das fotos de Abu Ghraib
foram tiradas com câmeras
Sony. Graças às informações
armazenadas pela tecnologia
digital, foi possível reconstituir
os acontecimentos com precisão e determinar quem participou deles. Por mais que não tenha sido intencional (a Sony
Classics já distribuiu outros filmes de Morris), esse detalhe dá
ao filme uma incômoda leitura
publicitária. Este seria o mais
estranho "product placement"
que se poderia imaginar.
PROCEDIMENTO OPERACIONAL PADRÃO
Produção: EUA, 2008
Direção: Errol Morris
Onde: estréia nos cines Espaço Unibanco Augusta e Unibanco Arteplex
Classificação indicativa: não recomendado para menores de 14 anos
Avaliação: bom
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