São Paulo, sábado, 31 de outubro de 1998

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Dip exalta o cotidiano em "Por Água Abaixo"

da Reportagem Local

"Por Água Abaixo" não chega a uma hora de apresentação. Também não conta bem uma história, embora tenha a sua inspiração em fato real. É um monólogo à primeira vista despretensioso, leve, passageiro. Mas é um momento de felicidade no teatro.
Naquele tempo tomado por um balé de contorcionismo e por pensamentos sobre o cotidiano, sobre a cozinha, o guarda-roupa, descobre-se sob a própria falta de crédito na existência, sob o próprio niilismo do espectador, um pequeno sinal de esperança.
Ângela Dip, autora e intérprete de "Por Água Abaixo", não economiza criação para conseguir tanto com tão pouco. Não economiza criação, aliás, para tão pouco de material. Em cena, um barril aberto dos dois lados e com alguns furos é quase tudo, no cenário.
Em tempo, a sinopse: uma mulher acorda e se prepara, em casa, para algo que não fica muito claro, mas que a própria autora, em entrevistas, adiantou ser a descida das cataratas de Niágara num barril. É inspirado na história de Annie Taylor, que alcançou a façanha aos 63 anos.
Mas a peça é o que acontece antes, o que se passa na cabeça dessa mulher nas horas anteriores ao salto. Ou ainda, na cabeça de Dip. Na verdade, é o que se passa na cabeça de quase toda mulher ou homem, hoje, nos tempos que correm. São os questionamentos que se fazem, cotidianamente, diante de uma escova de dente ou de um espelho.
Não há nada de gratuito, em "Por Água Abaixo". Cada palavra ou imagem que a atriz interpreta parece ganhar um significado imenso, como se fosse, cada palavra ou imagem ou mesmo objeto mencionado, uma pequena celebração da vida, às portas do que se avizinha como a morte num barril.
Um pensamento leva a outro, a partir de quase nada; por exemplo, a partir da constatação que "o meu tênis se suicidou", saltando da janela onde secava. Uma imagem leva a outra, da "panela de pressão" se passa à lembrança de que "mamãe foi cremada".
A morte está ali, à espreita. Mas não faltam pequenas piadas, nesta que é, afinal, uma comédia. Observações como "não há vagas para moças de fino trato... Não há mais moças de fino trato!". Em tudo, do texto à "coreografia", às músicas, vê-se um esforço de perfeição que exalta a vida. (NS)
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Peça: Por Água Abaixo
Texto: Ângela Dip
Direção: Vivien Buckup
Com: Ângela Dip
Quando: sex. e sáb., às 24h. Até janeiro
Onde: Teatro Crowne Plaza (r. Frei Caneca, 1.360, tel. 011/289-0985)
Quanto: R$ 15




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