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DISCO - CRÍTICA
Wynton Marsalis é único no solo de trumpete
ARTHUR NESTROVSKI
da Equipe de Articulistas
Depois de um início modesto, obedientemente no
meio do conjunto, a
sua entrada é espetacular: uma nota
repetida ("flutter-tongue"), por
nada menos do que dez segundos,
na região aguda, antes de descer
novamente ao convívio dos outros imortais. Wynton Marsalis é,
por consenso, o maior virtuose do
trumpete em atividade. Mas sua
paixão pela música parece ainda
maior do que a paixão pelo instrumento; e nesse novo disco se
desdobra em homenagens ao precursor Thelonious Monk (1917-82).
Compositor, intérprete, regente, arranjador, produtor, professor e diretor musical: não há uma
função que Marsalis não tenha
dominado, mais cedo ou mais
tarde. Geralmente mais cedo: tocava trumpete com 6 anos e em
1980, com 19, já era membro dos
Jazz Messengers de Art Blakey.
Em 1984, ele ganharia de uma vez
só dois prêmios Grammy: melhor
disco de jazz e melhor de clássico
(concertos barrocos, com a New
Philarmonic Orchestra). Em 1990,
Marsalis foi nomeado diretor musical do Lincoln Center, onde formou a sua própria orquestra.
Autor de peças orquestrais, música para balés e trilhas de filmes,
grande divulgador musical em escolas e na televisão, Marsalis assume hoje um papel no jazz semelhante ao que teve Leonard Bernstein na música clássica, ou Pierre
Boulez na contemporânea. Talvez
não seja, ele mesmo, o centro do
mundo, mas está no centro de tudo e sabe usar essa perspectiva
privilegiada a seu favor e no favor
da música.
A coleção
"Marsalis Plays Monk" é o volume quatro da coleção "Swinging into the 21st": sete CDs, compondo juntos uma imagem do
trumpetista em suas várias faces.
Aqui ele toca num octeto, em arranjos pensados como reedição
das artes de Louis Armstrong, na
década de 20. A mistura é inesperada.
Armstrong-Monk-Marsalis pode não soar como a sequência
mais natural; mas o resultado soa,
sim, naturalmente exato, e inverte, em alguma medida, o vetor da
influência.
Nenhum rigor, nenhum virtuosismo, seja individual ou de conjunto às duas coisas, nesse caso
poderia fazer páreo ao anarquismo de Monk.
Seguidores mais devotos do
pianista vão reclamar da beleza
controlada desses solos, obviamente ensaiados, e das elegâncias
desenhadas de duos, trios e quartetos. Trumpete, saxofones e
trombone movem-se juntos como bailarinos no palco, e são capazes de provocar o mesmo calafrio de algum gesto complexo
descrito ao mesmo tempo por
dois ou três ou quatro corpos.
Essas vertigens estão muito longe da música original de Monk,
um músico de transitoriedades,
para quem não existe pensamento musical se não for um pensamento se fazendo.
Traduzida para a bonomia de
Marsalis, essa música perde densidade, mas ganha em superfície,
e vai se desvelar em outras formas, que são e não as mesmas do
original. Aburguesou-se, em alguma medida; mas também se
multiplicou em riquezas e sutilezas, e outras rimas musicais. O
pianista Eric Reed, por exemplo,
faz de "Brilliant Corners" um
exercício maravilhoso de variações da métrica.
O sax alto de Wessell Anderson
parece, aqui e ali, o sonho de vida
livre de algum clarinete; e o baterista Herlin Riley é capaz de reger
o conjunto e reinventar sozinho
os destinos de piano e trumpete.
Numa das melhores faixas,
"Worry Later", o septeto parece
estar comemorando alguma festa
particular, gravada por acaso: o
efeito é de um bom humor irresistível, cheio de gargalhadas nos
metais. E os silêncios e cortes e
síncopes de "Evidence" aproximam Monk das assimetrias modernistas de Stravinski (1882-1971) -comparação que sugere a
seriedade das ambições de Marsalis.
Referências
A referência a Stravinski, aliás,
não é fortuita. Outro volume da
série traz a música completa de
"A Fiddler's Tale", composta por
Marsalis a partir de "A História
do Soldado" (1918). E uma suíte
dessa partitura acompanha a gravação de "At the Octoroon Balls",
um quarteto de cordas, dividido
espiritualmente entre Dvorák,
Bartók e Nova Orleans. Para um
ouvinte chegado do lado dos clássicos, o resultado soa menos convincente do que a metamorfose
de Monk.
A mistura de gêneros sofre mais
aqui da mistura de eras e não chega a se cristalizar em novidade.
Para quem vem do outro lado, o
impacto talvez seja maior; e pode
elevar a música para além do meramente bem-escrito.
Marsalis é mais Marsalis nos solos de trumpete, em suas recriações de Monk, que ele sempre toca com uma fluência desproporcional à dificuldade que ele mesmo criou.
Ninguém resiste à exibição de
semicolcheias em "Four in One"
se descarrilhando e recarrilhando
para cima e para baixo em alta velocidade, entremeadas de fragmentos de blues. Nesses momentos, o trumpete transcende o seu
próprio senso de ordem e acende
a música de entusiasmo.
O prazer físico de tocar serve de
imagem e objeto de algum prazer
maior, adivinhado. O que ele adivinhou, Monk sabia; e cada um de
nós, agora, que tente adivinhar
como puder.
Avaliação:
CD: "Marsalis Plays Monk" (coleção
"Swing into the 21st, composta por 7
CDs)
Compositor: Wynton Marsalis
Gravadora: Columbia
Quanto: R$ 37,47 (em média)
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