São Paulo, terça-feira, 31 de dezembro de 2002

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LITERATURA

Escritor angolano, autor de 14 livros e admirador de Graciliano Ramos, lança novo romance no Brasil em 2003

"Guerra foi o melhor tempo da minha vida", diz Pepetela

CARLOS BRAZIL
FREE-LANCE PARA A FOLHA

"Eu costumo dizer que deve ter sido o melhor tempo da minha vida." O leitor é desafiado a adivinhar a qual período da vida se refere o autor dessa frase. Talvez fale da infância? O período universitário? Ou poderia estar pensando na época em que viveu fora de seu país? Muitas suposições podem ser feitas, mas, dificilmente, o leitor irá pensar no fato histórico que suscitou tal frase: a guerra.
O melhor período da vida de um dos expoentes da literatura de língua portuguesa, o escritor angolano Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos, conhecido como Pepetela, foi justamente, segundo suas palavras, durante sua atuação como guerrilheiro pela libertação de Angola do colonialismo português, nos anos 60 e 70.
Difícil acreditar? "Tem gente que fica muito admirada quando eu digo isso, mas é verdade. Quer dizer, foi talvez o único momento em que eu estava tranquilo. Tranquilo neste sentido: é claro que estava em uma situação de guerra, situação de perigo, temendo pela vida, mas estava tranquilo, pois sabia que fazia aquilo que era preciso ser feito", explica.
Curioso ouvir tais palavras desse homem que demonstra serenidade em seus 61 anos, com sua barba grisalha, baixa estatura, sorriso tímido e que é um dos grandes nomes da literatura lusófona, consagrado com o Prêmio Camões de 1997. Hoje, porém, suas armas são as palavras.
Pepetela -que chegou a ser vice-ministro da Educação em seu país- é um homem de oposição ao atual governo angolano, liderado pelo mesmo MPLA (Movimento Popular para a Libertação de Angola) do qual participou da gênese. Diz não acreditar que "a política neoliberal e globalizante adotada sob a supervisão do FMI" por Angola solucione as mazelas de sua população.
Mas, segundo o autor, há esperança para o país após o fim da guerra civil -que durou 27 anos e terminou em 2002. "Hoje está evidente para todo o mundo que a presença de Jonas Savimbi [líder rebelde da Unita, União Nacional pela Independência Total de Angola" impedia Angola de chegar à paz. E tudo indica que com a morte dele, essa paz veio para ficar. A partir de então, tudo é possível."
Por outro lado, há o fantasma do isolamento internacional. Mesmo assim, não deixa de criticar o que afirma ser um dos males da atualidade: "O mundo está cada vez mais adepto da divisa "cada um por si, a globalização por todos" -e essa globalização é apenas a internacionalização desenfreada da luta pelo lucro".
Sobre a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva como presidente do Brasil, Pepetela diz esperar uma aproximação maior com Angola, principalmente na área cultural. "Normalmente pensamos que os poderes de esquerda são mais receptivos à atividade cultural e ao intercâmbio."
Autor de 14 livros, Pepetela se diz influenciado por brasileiros como Jorge Amado, Erico Veríssimo e Graciliano Ramos, entre outros. Desses títulos, apenas "A Geração da Utopia" e "A Gloriosa Família" seguem em catálogo no país, ambos pela Nova Fronteira.
Pepetela planeja lançar aqui, em março de 2003, pela editora Record, seu mais recente trabalho, "Jaime Bunda, Agente Secreto", romance policial que conta com humor aventuras de uma espécie de "James Bond" angolano.
E os novos trabalhos? "Neste momento estou trabalhando em um novo livro, mas ainda não está suficientemente avançado para falar sobre ele. Apesar de não acreditar em feitiços, devo reconhecer que falar antes do tempo sobre um livro em que se trabalha pode dar azar...", diz.



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