São Paulo, quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

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NINA HORTA

O Ano-Novo e suas histórias


Nós dois começávamos a nos entediar quando chegava a hora obrigatória da alegria


HÁ FESTAS que dão certo e outras que não. O Ano-Novo, diferente do Natal, é mestre em nos pregar peças. Lembro-me de minha filha indo pegar umas praias no fim do ano, na casa dos tios que moravam em Santa Teresa e estavam de viagem. Foi chegar e ver que a festa ia braba, comandada pela empregada querida de muitos anos. Na piscina, com a melhor louça da avó, rabanadas feitas na hora, pernil remontado e farofa, a bebida voando livre, samba rolando. Foi direto para a cama, não era convidada.
Lá pelos meus cinco anos, a família de pai, mãe e filha recém-mudada do Rio estava posta em sossego na casa nova, quando antes da meia-noite a campainha tocou. Abrimos a porta e uns 12 casais de bandeirinhas nas mãos, champanhe, reco-reco, assobios, irromperam sala adentro para as boas vindas e para que entrássemos naquela caravana da alegria que, suponho, se estenderia rua acima. O nosso susto foi tanto, os pais boquiabertos sem entenderem nada, que o grupo da alegria foi murchando, um abraço aqui e outro ali, e se esgueirou, desapontado, para famílias mais receptivas.
O grande problema das festas anuais é que meu pai era festeiro, minha mãe detestava folia. Mais tarde, eu puxaria a meu pai, e o meu marido a minha mãe. As primeiras festas de Ano-Novo, no Jockey Clube, eram maravilhosas, pagava tudo para ver de novo aquelas montagens de faisões com penas de verdade, camarões (sem papel-alumínio e isopor), uma coisa de século 18, champanhe correndo, luzes, meu pai se esbaldando e minha mãe sentada com cara de mártir.
Todo ano, até que noiva, pulando dentro dos cordões, louca de alegria carnavalesca, me sentei à mesa e meu pai me alertou com uma piscada conivente. "Acabou-se o que era doce, minha filha." O noivo em folha parecia uma estátua de ciúme e desentendimento.
Mais tarde, os bailes do nosso clube. O problema é que nós dois começávamos a nos entediar quando chegava a hora obrigatória da alegria, os reco-recos, ah, os reco-recos infernavam nossas vidas, muitos tartamudos na mesa e, de repente, à meia-noite, é claro, a obrigação da alegria. E com aquela péssima comida e bebida do clube? Não, no ano seguinte seria a paz do lar. Tomaríamos uma champanhota, comeríamos umas lentilhas, engoliríamos sementes de romã e... cama! Mas não é que no Réveillon calmo começava a se infiltrar uma rejeição, os fogos de artifício, os gritos, as cantorias, e nós fora da algazarra, almas sisudas perdidas no meio da alegria geral? E nos anos seguintes voltávamos à festa e no outro à calmaria. Tic, tac.
Num deles resolvi romper com tudo. Convidei o marido para um chalé num hotel-spa, à beira do mar. Pois o homem da casa, ao ver aquela solidão, encrespou-se todo, achou o lugar perfeito para um assalto com torturas e cabeças rolando. Entramos no chalé, ele fechou tudo, portas, janelas, se não é que calafetou, jeitoso como era, mas esqueceu de botar para fora os pernilongos e podem imaginar que alegria e que frescor...
Em 1999, resolvemos ir para o mar, em Paraty, com outros barcos que sairiam à noite para saudar o novo século. A ceia ficou esperando no alto do morro. No projeto, a família toda, com noras, mães das noras, genros e netos pequenos e o caseiro que enjoava no mar e a família do caseiro, e a do barqueiro e tudo mais. Ah, o que houve de complicações antes de chegar à marina... Mas o pior é que os barcos não puderam acender suas luzes, não me perguntem o porquê, e ficaram todos sobre as águas morrendo de medo de se baterem na escuridão, dificuldade de atracar na volta, e o maior alívio de 2000 foi que, entre mortos e feridos, salvaram-se todos. Que nos salvemos todos neste 2010 são meus votos.

ninahorta@uol.com.br


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