São Paulo, sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

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Fetiche compõe fotos de Helmut Newton

Livro organizado pela viúva do fotógrafo judeo-alemão morto em 2004 traz compilação de nudez e de musas

Obra combina luxo, glamour e violência fetichizada; ele trouxe o deboche extravagante para o mundo da moda

SILAS MARTÍ
DE SÃO PAULO

Helmut Newton fotografou por mais de 70 anos antes de arrebentar seu Cadillac contra um muro na Sunset Boulevard, em Los Angeles, e morrer na hora em 2004.
Deixou vasta obra que combina com a mesma força luxo, glamour e altas doses de violência fetichizada. Ele é o judeo-alemão que começou a fotografar com uma Zeiss Box Tengor, câmera de 3,5 marcos, nos anos 1930 em Berlim, terra que deixou com o levante do nazismo.
Em fuga, foi para Cingapura, chegou a dirigir caminhões no Exército australiano até voltar à Europa depois da Segunda Guerra, passando quase toda a vida entre Mônaco e Estados Unidos.
Despontou nos anos 1970 como fotógrafo de editoriais para a "Vogue" francesa, primeira revista a aceitar seus ensaios ao ar livre, longe da mesmice dos estúdios.
Seus endereços foram todos superlativos. Eram praias escaldantes na Côte d'Azur, vistas de Paris, casas de campo nos arredores de Milão, Manhattan fotografada aos pés de modelos nuas.

DEBOCHE
Mas para além de excessos óbvios, Newton levou a fotografia de moda a outro patamar, mesclando ao retrato da vestimenta um despudor fora do comum, agressividade pedestre e certo deboche que depois virou padrão no mundo fashion com gente como Terry Richardson e afins.
Só que muito antes do humor às vezes grotesco invadir junto com o sexo as imagens da moda, Newton cunhou uma estética classuda, de belas mulheres em situação de comando, guerreiras nuas ou vestidas dos pés à cabeça com joias e trajes da estação.
Numa extensão desse mundo, lançou um livro tão hiperbólico quanto sua obra, o clássico "Sumo", que bateu todos os recordes da indústria editorial, pesando mais de 35 quilos e vendido nos anos 1990 por US$ 1.500 (R$ 2.500). Esgotada a edição de 10 mil, um exemplar chegou a ser leiloado por US$ 430 mil, cerca de R$ 723 mil, há dez anos.

MUSAS
Valendo menos, uma edição compacta do clássico é reeditada pela Taschen. Mesmo menor, o livro organizado pela viúva do artista, June Newton, tem o melhor de sua produção, de ensaios de moda a retratos de celebridades. Está lá uma Catherine Deneuve de lingerie, cigarro entre os lábios, olhando para a lente. Newton, um dos poucos fotógrafos a conhecer a casa da atriz, lembra que naquela ocasião ela foi "profissional, fria e muito bela". Um tanto quanto Anita Ekberg, a femme fatale que toma um banho na Fontana di Trevi em "La Dolce Vita", fotografada bem mais velha, mas ainda com pose de leoa.
Em situação mais arriscada, Newton fotografou uma modelo de quatro, vestindo uma sela e coturnos da Hermès, imagem também no livro, que despertou protestos de feministas.
Uma exposição do artista chegou a ser atacada por manifestantes.
"Não passaria minha vida fotografando mulheres se não amasse todas elas", disse Newton, em sua defesa, ao "The Guardian". "Uma mulher tipo florzinha recatada, que não é inteligente nem se impõe, não é interessante."
Outra fotografia mostra uma de suas mulheres nada florzinha desmembrando um frango assado usando diamantes Bulgari, ensaio que quase fez a marca suspender seus anúncios na "Vogue".
Frangos e selas à parte, Newton soube mais do que tudo mergulhar no fetiche.
Noutra série, foi fundo no cerne da indústria fashion, radiografando os pés de suas modelos em saltos agulha.
No fim das contas, tudo se junta para compor o retrato da mulher ideal segundo o artista: "Elegante, atraente, sensual, classuda e com uma cara de que custa caro".


HELMUT NEWTON

AUTOR June Newton
EDITORA Taschen
QUANTO R$ 499 (464 págs.)


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