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Obra vê maior tragédia circense do mundo

"O Espetáculo Mais Triste da Terra", de Mauro Ventura, resgata história de incêndio de circo em Niterói, em 1961

Os dez minutos de fogo causaram a morte de mais de 500 pessoas e deram origem ao profeta Gentileza

RAQUEL COZER
DE SÃO PAULO

Do grito de "fogo!" pela trapezista Nena ao arrasamento total do Gran Circo Norte-Americano, em 17 de dezembro de 1961, em Niterói (RJ), não foram nem dez minutos.

Tempo suficiente para matar mais de 500 pessoas (debaixo da lona ou depois, por sequelas) e deixar outras tantas vítimas de queimaduras em terceiro grau, sem contar as pisoteadas na correria.

Prestes a completar 50 anos, o maior incêndio da história do Brasil -maior que o do paulistano edifício Joelma, em 1974, com 188 mortes- nunca havia sido investigado a fundo para um livro.

O jornalista Mauro Ventura, de "O Globo", preencheu a lacuna com "O Espetáculo Mais Triste da Terra", que sai nos próximos dias pela Companhia das Letras.

"O caso repercutiu em escala global muito antes da globalização, mas nunca tinha sido contado ao grande público para além de reportagens", afirma Ventura.

A explicação para o silêncio veio de conversas com vítimas e heróis daqueles dias. Ainda restavam muitas testemunhas da tragédia, mas o incêndio gerava tal incômodo que ninguém queria falar sobre ele.

Com isso, o que proliferou foram mitos.

GENTILEZA GERA LENDA

Uma das lendas que correram até ganhar status de verdade foi a de que o profeta Gentileza (1917-96), conhecido pelos murais "Gentileza gera gentileza" em pilastras do Rio, teria virado profeta ao perder a família no incêndio.

Menos disseminada, a história real corria em paralelo. Gentileza, ou José Datrino, dono de uma pequena transportadora em Guadalupe (RJ), soube da tragédia dias depois e viu nela um sinal.

Largou a família para revelar ao mundo que o mundo estava de ponta-cabeça. Seus sermões, nos quatro anos em que morou no terreno onde o circo pegou fogo, foram alento para parentes das vítimas.

Outra curiosidade que levou Ventura ao livro foi a participação de Ivo Pitanguy no tratamento dos queimados. Já conhecido àquela altura, o cirurgião plástico virou a grande referência do noticiário, gerando mágoas em outros médicos que viraram noites, por meses, nos hospitais.

O também cirurgião Liacyr Ribeiro, ex-aluno de Pitanguy, chama de "ingratidão" a versão de que o mestre só aparecia quando havia jornalistas. "Ele não ia muito lá, mas logicamente era quem comandava, mesmo que fosse à distância", diz, no livro.

O fato é que, graças ao número de queimados em Niterói, o Brasil se tornou pioneiro no uso em larga escala de enxertos de pele seca, desidratada (chamada liofilizada). O material veio direto dos EUA, onde só tinham sido feitas experiências pontuais.

FOGO E PARAFINA

De norte-americano, o Gran Circo só tinha o nome -que pareceu pomposo ao dono, Danilo Stevanovich, gaúcho de Cacequi orgulhoso da ascendência circense eslava.

Menos pomposa era a estrutura, montada em Niterói dias antes da tragédia. Anunciado como sendo de nylon, o toldo era de fato uma lona parafinada de algodão, mais barata e muito inflamável.

Até hoje não se sabe quem ou o que começou o fogo -cujos dez minutos de ação Ventura narra a partir de uma infinidade de depoimentos.

A perícia concluiu que o incêndio era criminoso, mas a pressa em apontar culpados tornou questionável o desfecho. Quem acabou condenado foi Dequinha, um ex-armador do circo que, diziam, tinha prometido se vingar dos que o demitiram.

Para facilitar, Dequinha assumiu o crime. Para complicar, ele tinha problemas mentais e o notório costume de assumir culpas alheias.

Condenado a 16 anos, assim como um suposto cúmplice que respondia por Bigode, foi encontrado morto em 1973, após fugir da cadeia.

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O ESPETÁCULO MAIS TRISTE DA TERRA

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