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De Chirico cria monumento à ausência

Obras do mestre da pintura metafísica, que retrata homens e lugares como anônimos, estão em Porto Alegre

Mostra abre hoje na Fundação Iberê Camargo e segue para Belo Horizonte e São Paulo no ano que vem

Divulgação
"Orfeo Travatore Stanco", pintura de 1970, na mostra em Porto Alegre
"Orfeo Travatore Stanco", pintura de 1970, na mostra em Porto Alegre

SILAS MARTÍ
ENVIADO ESPECIAL A PORTO ALEGRE

Um homem sem rosto carrega no ventre ruínas, cacos e resquícios de natureza. Tem a seus pés detritos de uma batalha, capacete, manto e escudo manchados de sangue.

Na obra de Giorgio De Chirico, homens não têm cara e monumentos não têm função -tudo fica imóvel, sob luz estéril, numa hora incerta.

Mestre da pintura metafísica, um contraponto de raízes classicizantes ao futurismo italiano, De Chirico nasceu na Grécia no final do século 19 e morreu em Roma em 1978. Estudou na Alemanha e usou o filtro de Nietzsche e Schopenhauer para esquadrinhar o mundo que retratou.

Suas pinturas, agora em exposição na Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre, falam de uma arquitetura entranhada, espaços alicerçados por memórias íntimas. No fundo, são cenários expostos.

De Chirico não transita no palco. É um voyeur que espreita as coxias, vê homens e objetos como arquétipos anônimos, fragmentos de encenações esquecidos antes ou depois do espetáculo, amontoados naqueles cantos mais escondidos da memória.

"São monumentos à ausência do homem", diz Maddalena D'Alfonso, curadora da mostra, que vai ao Masp no ano que vem. "Não é um teatro espetacular. Ele faz uma síntese icônica de um mundo despojado, despido."

Tanto que suas praças são desertas, num outono eterno. É fato que De Chirico via na gravura "Melancolia", de Dürer, uma espécie de matriz para esse mundo, de formas acumuladas, empilhadas num equilíbrio frágil, a ponto de desabar com um estrondo surdo, sentido na solidão.

"É a tentativa de ir à matriz arquetípica das arquiteturas, de praças, fontes, torres", diz D'Alfonso. "Na memória, como nos sonhos, a luz é plana, padrão, mediada pela interpretação. Não há lembranças de uma iluminação exata."

Talvez por isso, De Chirico não seja um pintor virtuoso. Sua paleta é raquítica, obcecada demais pelo verde estranho do lusco-fusco, e traços quase grosseiros dominam suas cenografias do mundo.

Mais importante nesses quadros é a perspectiva distorcida, de sombras e brisas em direções opostas e pontos de fuga que brigam pelo olhar, turvando a percepção.

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