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O nascimento de um autor

Do faroeste ao maior épico russo, Rubens Figueiredo atinge a consagração como autor e tradutor

FABIO VICTOR
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Em 1978, Rubens Figueiredo tinha 22 anos, acabara de concluir a faculdade de letras e estava duro.

Bateu à porta de uma editora do subúrbio do Rio se oferecendo para fazer traduções. "O senhor de lá era um sujeito excêntrico, autor de quadrinhos de terror, parecia que vivia em outro mundo, na década de 30", recorda.

O senhor era Rubens Francisco Lucchetti, pioneiro da "pulp fiction" no Brasil e roteirista dos filmes de Zé do Caixão. A editora era a Cedibra, que publicava HQs e edições populares.

Figueiredo começou a traduzir livrinhos de bolso de faroeste. Os primeiros volumes que levam sua assinatura, em 79, são "Onde o Colt Era a Lei", de Marcial Lafuente Estefanía, e "Sem Lei e Sem Alma", de Silver Kane. Os originais eram em espanhol, língua que ele nunca estudara.

Passou a reescrever livrinhos de sacanagem varridos das bancas pela censura. "Transformava os livros eróticos em românticos. Mas quando [a censura] amainava, eu tinha de voltar tudo, retransformava as partes românticas em eróticas."

Trinta e dois anos depois, neste 2011, Rubens Figueiredo é protagonista da literatura brasileira, consagrado como escritor e tradutor.

Seu último romance, "O Passageiro do Fim do Dia" ganhou dois dos maiores prêmios literários do país, o São Paulo e o Portugal Telecom, e sua tradução de "Guerra e Paz", a primeira direto do russo do clássico de Tolstói, é exaltada pela crítica.

Além do deleite que é ouvi-lo narrar esse início algo bizarro -logo ele, tímido, sereno, magro como bambu-, importa saber como Figueiredo valoriza a experiência.

"Desde cedo eu queria publicar, mas não conseguia, tinha medo e timidez. Com esse trabalho mais avacalhado, passei a encarar tudo de maneira mais descontraída."

Escreveu o primeiro romance em 1981, mas só conseguiu publicá-lo em 86, com ajuda de Luiz Fernando Verissimo, a quem o irmão Reinaldo mostrara o original.

"O Mistério da Samambaia Bailarina" (Record, esgotado) é, segundo Rubens, "um livro humorístico, na linha da farsa, da paródia", assim como foram os romances seguintes, "Essa Maldita Farinha" e "A Festa do Milênio".

O editor foi Sergio Flaksman, hoje reputado tradutor, que diz ter orgulho de ter lançado o colega como escritor e vê em "O Mistério..." "um livro original, com ritmo e adjetivação muito cortantes, que tem a ver com a linguagem da geração 80 do rock".

Rubens é mais pragmático ao analisar sua estreia. "Eu não tinha vivência intelectual, era muito raso, mas tinha impulso. Fiz um cálculo: o que posso fazer com os parcos recursos de que disponho?", contextualiza.

O autor nunca mais voltaria a esse estilo, mas diz que não renega as três obras. "São livros pelos quais tenho apreço, mas tinha que tentar outra coisa. Com o tempo -mais leitura, mais vivência-, me senti mais seguro."

Já em nova editora, a Rocco, estreou no conto com "O Livro dos Lobos", em que flertava com o fantástico e começava a abordar criticamente as fissuras sociais.

Na casa seguinte, a Companhia das Letras, teve como editora a também tradutora Heloisa Jahn, que define assim a escrita do colega:

"Uma mistura muito especial de tristeza e desalento com persistência, sobrevivência por sobre o desastre. Um desastre muito interno, quase impalpável, que puxa os personagens para um fundão informe (onde eles, aliás, nunca somem) e vem à tona na escrita".

DESIGUALDADE

Rubens é ardoroso ao defender a opção por uma literatura crítica. "Toda sociedade funciona para manter e justificar a desigualdade. Todo dia há um esforço para que se encare como inevitável que poucos têm muito e muitos não têm quase nada."

Ele critica a tendência segundo a qual a literatura se basta e os autores que se valem "da força da linguagem e da construção em si."

Figueiredo inclui no rol Philip Roth e Paul Auster, autores que ele já verteu para o português. "É incrível perceber como a propaganda política aparece disfarçada."

"É só contar quantas vezes a bandeira americana aparece nos livros de Philip Roth, quantas vezes a palavra América aparece nos livros de Paul Auster e Susan Sontag. Mas os grandes conflitos dos EUA não são tratados."

Nascido em 1956 numa família de classe média carioca, Rubens é o segundo de três filhos de um vendedor de tecidos e uma dona de casa. O primogênito é Reinaldo, músico, cartunista e humorista do "Casseta"; e o caçula, o jornalista Cláudio.

Estudou em escola pública. Dos 14 aos 18, teve aula de clarinete com Paulo Moura.

Na faculdade de letras, optou por português/russo, mas só muito depois começaria a traduzir dessa língua; primeiro poemas de Óssip Mandelstam para a revista "Inimigo Rumor", depois contos de Tchékhov para a Cosac.

É professor de português da rede pública estadual. Deu aulas por 25 anos num colégio da Cidade de Deus, mas no fim de 2009 pediu transferência. Como o Pedro de "O Passageiro..." -que narra uma viagem ao subúrbio atravessada pela ruína social brasileira-, ele ia e voltava de ônibus (quatro ao todo).

Com o trânsito cada vez pior, precisava sair três horas antes da aula. Hoje ensina numa colégio na Gávea, na zona sul. Vai de bicicleta.

Figueiredo é casado há 22 anos com Leny Cordeiro, preparadora de originais para editoras. Vivem sós num apartamento de 70 m² em Copacabana, onde ele falou à Folha. Juntos estudam "dar um destino racional", como diz ele, ao dinheiro ganho com os prêmios (R$ 300 mil, fora desconto do IR).

Vegetariano, botafoguense, nadador, Rubens percorre o mundo em suas traduções, mas não gosta de viajar. "Parece uma gincana."

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